26/05/11

O pânico da auditoria

Não faço a mínima ideia de quais seriam os resultados duma auditoria integral e independente às contas públicas portuguesas.

Ou melhor: não fazia; esta semana, perante a avalanche de declarações de responsáveis do PSD, afirmando todos eles que não faz falta nenhuma um inquérito às contas, que os responsáveis já estão sobejamente identificados, que a única coisa necessária é ir o povo às urnas rapidamente, começo a ter uma ideia aproximada: uma auditoria integral iria muito provavelmente arrasar com a larga maioria dos responsáveis políticos de todos os partidos do poder, tanto a nível central como autárquico. Seria uma espécie de genocídio, de massacre político.

O pânico é demasiado evidente. Aliás, estas figuras políticas ligadas ao «arco do poder» cuidam de contornar cautelosamente a expressão «auditoria integral», chamando-lhe «inquérito» (que é outra coisa bem diferente) – não lhes convém meter ideias perigosas na cabecinha das pessoas.

Acontece que a chamada democracia representativa contém em si uma perversão terrível: quando o cidadão vota sobre uma determinada matéria (ou, o que vai dar ao mesmo, sobre um representante, gestor e porta-voz para essa matéria), é suposto saber do que se trata. Seria descabido pensar que o povo é soberano em matérias que desconhece.
Ora, se o público for mantido sistematicamente na ignorância, a perversão da democracia torna-se evidente.

É aqui que entra a recusa categórica da auditoria integral. Para manter a farsa da democracia representativa é preciso manter a ignorância das contas públicas.

Perante o pânico anti-auditoria integral, não tenho grandes dúvidas, repito, em concluir que a larga maioria dos dirigentes políticos deste país seria condenada politicamente (e se calhar em muitos casos judicialmente). Ver-nos-íamos curiosamente destituídos de classe política dirigente, a nível central e autárquico.

Sendo assim, talvez a auditoria integral independente viesse a revelar-se a faísca capaz de despoletar como efeito colateral um processo de regresso à democracia participativa, ou até, quem sabe, mecanismos de poder popular.

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