15/07/11

O Estado social é uma inerência

Creio que já o disse algures, mas tenho de repetir: o Estado social não é uma opção; é uma inerência.

Talvez haja quem pense que o Estado social é uma modernice inventada há pouco tempo.Biiiiiiiiiiiiiiiip!!!! erro!

O ser humano é um animal frágil; gregário; inteligente (mais ou menos).
Consegue sobreviver à sua própria fragilidade precisamente por ser gregário e inteligente. Caso contrário ter-se-ia extinguido há centenas de milhares de anos.

Durante séculos as aldeias portuguesas de montanheses e de pescadores tiveram: doença, tornados, cheias, fome, aflições de parto; ânsia de música, de baile e de festa; necessidade de ensinar aos seus infantes os ofícios e tarefas da aldeia. Como julgam vocês que essa gente conseguiu sobreviver a tanta necessidade, a tanta doença, como foi que não morreram famílias inteiras de fome quando as cheias destruíram a horta familiar, como sobreviveram milhares de viúvas de pescadores, com seus catraios, quando o mar lhes roubou o pai-pescador?
Simples: essas comunidades sempre viveram em estado social.

O estado social das aldeias antigas não se organizava duma forma megalómana, como acontece hoje em cidades com dezenas ou centenas de milhar de habitantes. Baseava-se numa solidariedade de proximidade.
A viúva carregada de filhos e subitamente privada de sustento sobrevivia graças à solidariedade das vizinhas; as pedras que impediam o arado de lavrar o torrão de terra eram desviadas pelo esforço colectivo de todos os homens da aldeia e respectivas juntas de bois. E assim por diante.

Não existe absolutamente nada de novo na solidariedade social dos Estados modernos – a não ser o facto de o auxílio de proximidade se tornar quase impossível nas metrópoles, em virtude da natureza organizativa e cultural destas.
Mas esta diferença de natureza organizativa em nada, rigorosamente nada, muda a natureza humana. Para esta mudança acontecer seria necessária uma mudança genética radical – o ser humano haveria de transformar-se em milhafre, ou coisa que o valha. Não, o ser humano da megametrópole permanece igual ao frágil, gregário e inteligente habitante das cavernas paleolíticas. Logo, sujeito à extinção, se o colocarmos fora dum ambiente de solidariedade social.

Só a estupidez mais renitente pode imaginar que algum ser humano possa subsistir sem solidariedade social.
O estúpido renitente (desculpem a falta de delicadeza, mas este é um daqueles casos raros em que não consigo encontrar eufemismos ou expressões paliativas para designar as pessoas em causa) ou nega em absoluto a necessidade de solidariedade social (= estado social) ou advoga substitutos privados – hospitais privados, ensino privado, maternidades privadas, seguros privados, etc.
São bem conhecidos os argumentos sobre a desigualdade daí resultante – 1) apenas terá acesso aos serviços privados quem tenha dinheiro para os pagar; 2) uma vez que quem tem mais dinheiro não contribui para os serviços sociais, preferindo pagar os serviços privados, a prazo os serviços sociais estão condenados à extinção por falência de verbas.


A natureza da solidariedade social baseia-se num sentimento de generosidade graciosa. Pode haver interesse. Claro que há interesse – ajudo o meu vizinho sabendo que mais tarde ou mais cedo vou necessitar da ajuda dele, e que essa necessidade é fatal, não tem alternativa.
Sempre que se acode à doença de um vizinho, sempre que uma aldeia inteira acorre a puxar as redes de um pescador em dificuldades, isso implica um custo social. Garante igualmente um ganho social: a sobrevivência colectiva, pois doutra forma a comunidade inteira extinguir-se-ia no prazo de uma ou duas gerações.

A natureza do negócio privado é outra, oposta; não é generosa nem graciosa, porque apenas visa o cálculo e o lucro individual.

O estúpido renitente, ao defender a substituição do Estado social pela iniciativa privada, não se limita a ser estúpido; se assim fosse, isso seria apenas problema seu. Infelizmente é muito mais do que isso – ele comete um horrível crime contra a humanidade. Põe a humanidade inteira em grave risco de sobrevivência. É pior que um criminoso de guerra, pois um criminoso de guerra é responsável geralmente por milhares ou mesmo milhões de mortes – mas dificilmente será responsável pela chacina da humanidade inteira.

Os políticos do PS, do PSD, do CDS, a finança privada, os jornalistas com eles coniventes, toda essa gente que tem lutado em maior ou menor grau pela diminuição do Estado social é uma caterva de perigosos psicopatas que um dia terão de ser julgados no tribunal das Nações pelo mais horrendo dos crimes contra a humanidade: a chacina da solidariedade social.

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