07/12/11

Recrudescem as máfias, a corrupção policial, os pintas e a bestialidade

Épocas políticas de direita extrema e de extrema direita, como a que se vive hoje em Portugal (e de resto em toda a Europa), proporcionam sempre o florescimento das máfias, da corrupção policial, de chulos e gandulos. São períodos em que se tornam mais fortes, por vezes bem mais fortes que a lei, os esquemas de chulice e extorsão, o exercício de poderes ilegítimos, da prepotência, do bastão, da navalha e da pistola.

Nestas épocas, todas as ilegitimidades, brutalidades e esquemas mafiosos que já antes se desenrolavam subterraneamente, de forma discreta, começam a mostrar-se à plena luz do dia, uma vez que o alastramento de práticas, favores e cumplicidades mafiosas cria uma vasta teia que se estende desde os recantos mais obscuros da vida nocturna até aos mais altos gabinetes ministeriais.

Velhas práticas e concluios entre chulos, gorilas e polícias
Stuart Carvalhais
A existência de máfias apadrinhadas pela generalidade dos membros duma esquadra de polícia é uma prática velha. Assim, por exemplo, durante décadas os bares nocturnos do Cais do Sodré, em Lisboa, faziam uma doação mensal a uma associação sem fins lucrativos dominada por agentes da polícia. O esquema era perfeitamente legal, uma vez que as doações a associações sem fins lucrativos não ofendem a lei. A cada mês um dos donos de bar percorria todos os outros bares recolhendo os «donativos»; depois ia entregá-los em nome pessoal; desta forma, uma vez que havia muitos bares, aparentemente cada um apenas doava de ano a ano, ou de dois em dois anos, o que ajudava a que tudo parecesse bastante normal.

A invenção dessa espécie de instituição chamada «seguranças», também conhecidos por «gorilas», veio alterar um pouco a superfície do esquema, trazendo para a equação os ginásios, as quadrilhas de culturistas e outros que tais. No essencial, porém, tudo permanece igual - criam-se grupos de interesses, cumplicidades e favores que cozinham uma velha receita associativa assente em três ingredientes essenciais:
  1. Uma fauna local de lumpen, chulos, carteiristas e vendedores de droga. Além de exercer o seu «ofício», esta fauna, conhecendo bem o terreno em que se move, constitui os olhos e os ouvidos dos gorilas e dos polícias; patrulha o bairro, transmite recados, informa sobre a localização de possíveis vítimas.
  2. Um grupo de controle constituído por «gorilas» e polícias que exercem ilegalmente serviços de segurança. Esta escumalha controla a fauna de carteiristas, chulos e dealers, criando-lhes condições para actuarem na área de influência do bar; saca-lhes percentagens e favores; livra-os de maus encontros com a lei; permite-lhes inclusivamente o uso de armas brancas e de fogo dentro do próprio bar (para assaltarem clientes na casa de banho, por exemplo, enquanto os seguranças vedam o acesso a essa área para que eles possam «trabalhar» à vontade).
  3. Um grupo de polícias corruptos e necessariamente capazes das mais horríveis brutalidades, que dão cobertura e protecção aos dois grupos anteriores - e, obviamente, também os chulam.


Como conseguem as máfias implantar-se?

Os factores que permitem a implantação e sucesso destas máfias são de três tipos:

1. Factores intrínsecos às máfias.
Muito simplesmente, as máfias impõem-se pela força bruta. Se, por exemplo, um dono de bar, contactado por um polícia mafioso no sentido de aceitar os seus «serviços» de segurança e protecção, insiste em recusar, pode acontecer-lhe que no fim-de-semana seguinte veja o seu estabelecimento espatifado por um grupo desconhecido de vândalos, os clientes assustados e com pouca vontade de lá voltarem, além das possíveis sevícias físicas a que fica sujeito. Na semana seguinte, sem hesitar, aceita os serviços de protecção. O problema é que, embora aparentemente se tratasse apenas de aceitar um «segurança» (que na realidade jamais se prestará a correr o mais pequeno risco pessoal para socorrer seja quem for em caso de aflição ou pacificar qualquer tipo de situação), eis que surge vindo do nada um exército de chulos, carteiristas, vendedores de coca [refiro-os por via da desonestidade e crueldade, não por via da coca], amigos e ajudantes do «segurança», etc. O bar terá de suportá-los e alimentá-los a todos.

2. Factores intrínsecos aos bares.
Por regra os donos dos bares, os gerentes e os empregados de bar são uma cambada de tontos sem qualquer espécie de consciência política, cívica ou ética. Alguns deles, aliás, emergiram desse mesmo lodaçal mafioso, onde recolheram o pecúlio com que montam o bar. Por conseguinte não lhes passa pela cabeça recorrer às instituições judiciais de protecção especial e combate à corrupção e ao banditismo; e também não sentem qualquer prurido ao verem um cliente ser espancado até à morte por razão nenhuma, como aconteceu a semana passada no Maria Caxuxa, no Bairro Alto - cujo dono do bar, inquirido sobre o assunto, nem sequer se lembrou de perguntar pelo estado da vítima, limitando-se apenas a manifestar a sua enorme aflição pelo mal que poderia vir ao negócio, se familiares e amigos da vítima começassem a propagandear o acontecimento (coisa que os «seguranças» se encarregaram imediatamente de dissuadir com avisos «subtis» e falsas testemunhas). Em suma, do lado dos donos de bar o sistema é alimentado por um elevadíssimo grau de cobardia e inconsciência cívica (a roçar a estupidez).

3. Factores  sociais genéricos
O ambiente político de direita, como já referimos, é ele próprio um húmus de corrupção, brutalidade, ilegalidade e inconsciência cívica e ética. Os políticos de extrema direita encontram-se rigorosamente ao nível das máfias lumpen nos seus actos e nos seus métodos, apenas se distinguindo (alguns) pela gravata, visto que todos usam o mesmo tipo de carro ou de jipe.

Um exercício de escala
Os chulos e máfias de bairro quase parecem inocentes, por comparação com os grandes intermediários, as grandes superfícies e outros abutres de mercado; estes, actuando à escala dum país inteiro, forçam a aprovação de leis no parlamento nacional e europeu e criam uma força policial de tipo pidesco, chamada ASAE, para arrasarem brutalmente a concorrência do pequeno comércio. É nesta altura que convém recordar que qualitativamente é tudo o mesmo - não nos deixemos levar por argumentos quantitativos; o chulo de bairro e o chulo dos corredores parlamentares usam os mesmos métodos (corrupção e exercício de força ilegítima), buscam os mesmos fins (proveito pessoal à custa do prejuízo alheio ou mesmo da vida alheia), ostentam a mesma ausência completa de princípios cívicos e éticos - apenas as quantias extorquidas diferem imenso.

A chulice destas mega-máfias atingiu recentemente o cúmulo, quando as grandes superfícies e distribuidores descobriram que lhes sai mais barato contratar 30 advogados para aldrabarem os contratos de fornecimento e retribuição, do que pagar aos fornecedores. Assim, neste momento, existem dezenas, talvez centenas ou milhares de pequenos-médios fornecedores dentro do mercado nacional que estão a ir à falência por não receberem a retribuição dos produtos que forneceram. A desfaçatez chega mesmo ao ponto de, em vez de receberem, terem de pagar indemnizações, graças às habilidades dos gabinetes de advogados e às letras miudinhas dos contratos.

A responsabilidade do público e do cidadão comum

Se, como aconteceu há dias no Maria Caxuxa, um homem é espancado possivelmente até à morte perante uma assistência de 40 clientes e afinal nem uma só testemunha se levanta, temos de concluir que algo de muito podre se passa neste reino. A corrupção material e intelectual parece ter alastrado como peste a toda a população.

Que uma grande fatia dessa clientela (que, já agora e por sinal, tem pretensões a fazer parte da jovem nata intelectual lisboeta...) seja constituída por choninhas incapazes de tomarem uma atitude, não espanta. Mas que, ainda assim, não surja nem ou uma, nenhum, que se preste a denunciar o acontecimento e a dizer alto e bom som que uma indústria que compactua com a corrupção, a brutalidade assassina e a chulice não merece ser visitada nem alimentada... bom, nesse caso temos de reconhecer que estamos perante uma degradação generalizada dos costumes e das mentalidades.

[As excepções seguramente perdoar-me-ão o tom generalista usado - tendo consciência dos factos, saberão que não me dirijo a eles mas sim a uma realidade que certamente os importuna tanto no campo dos princípios como do negócio.]

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