29/05/12

O bufo-mor volta a atacar


Arménio Carlos, funcionário sindical, secretário-geral da CGTP e bufo profissional como já mostrámos aqui e aqui, volta a atacar os trabalhadores e a população em geral. Desta vez foi fazer queixinhas da economia paralela, que, segundo ele diz, se fosse perseguida e taxada resolveria o problema do défice português.

14/05/12

Debates sobre cultura - mas qual delas (as culturas)?

Chegou a vez do apoio à actividade criativa na área do cinema português sofrer um corte de 100%. É uma espécie de genocídio frio, calculado, do cinema e do documentário português. É também mais uma acha na fogueira do desemprego nacional - a paralisação das actividades cinematográficas implica a perda de dezenas de milhares de postos de trabalho e a falência de algumas empresas nas mais variadas áreas da economia ligadas à criação cinematográfica. Confere com a política genérica de desemprego deste governo.

No sector das artes performativas e de palco este corte já tinha sido efectuado há algum tempo, conforme seria de esperar de um Governo que não considera necessária a existência de um ministério da cultura - com a agravante de que foram adjudicados cerca de 600.000 euros à divulgação das artes de palco portuguesas fora do país. Como se vai divulgar uma coisa cuja produção é paralisada por ausência de verbas e apoios à criação, é um mistério que o Governo (ou seja quem for) não parece capaz de explicar. Acresce esta coisa espantosa: deixa de haver dinheiros públicos para apoio à criação e divulgação interna de espectáculos, mas os portugueses terão de pagar deslocações e bilhetes para apresentação de espectáculos no estrangeiro...
Por outro lado, se não há apoios à criação mas apenas à divulgação no estrangeiro, é fácil de ver quem será candidato a esse apoio: os produtos culturais comerciais e a indústria do entretenimento. Portanto, mais uma vez (e coerentemente com o que se passa noutros sectores de actividade económica), o dinheiro dos trabalhadores irá parar aos bolsos do capital.

Perante este panorama, alguns agentes do sector da cultura começam, lentamente, a tentar reagir; aqui e ali vão surgindo «debates» - como o que foi efectuado no âmbito da Primavera Global, no passado dia 13-05-2012, nos relvados do Parque Eduardo VII em Lisboa.

Situemos este debate sobre a cultura: a troca de ideias ocorreu num cenário caracterizado pela presença maciça de militantes políticos, ali reunidos para pensarem formas de acção comuns e estratégias para a criação duma sociedade melhor - a fonte de inspiração da organização da Primavera Global foi muito obviamente, a começar pelo próprio nome, os movimentos sociais e as revoltas da chamada Primavera árabe.

A primeira coisa que importa notar é que o debate sobre cultura foi frequentado exclusivamente (uma ou duas excepções) por meia dúzia de artistas, sim, mas sobretudo por teorizadores e investigadores universitários, etc. Ou seja, mesmo dentro do campo (muito especializado e atento) dos activistas dos movimentos sociais, a questão da cultura não parece ser urgente e merecer participação atenta da generalidade da população. E refiro isto estritamente como dado empírico, como facto indesmentível, porque não me passa pela cabeça promover aqui juízos acerca de a questão da cultura ser ou não prioritária dentro das questões atinentes ao défice português generalizado.

A segunda coisa a notar é que a discussão, mais uma vez (e eu tenho assistido no decorrer do último ano a algumas reuniões deste tipo), partiu do zero e chegou ao zero. Tanto no que se refere à definição de conceitos e ideias de base, como na definição do âmbito da questão, a discussão partiu, pela décima ou milésima vez, da estaca zero e a ela se amarrou. Noutros debates que decorrem no âmbito da Primavera global (movimentos sociais, desemprego, dívida pública, etc.) os problemas encontram-se balizados faz tempo e a discussão centra-se em três aspectos muito práticos: actualização de dados; discussão de prioridades; definição de linhas de acção. Isto contrasta clamorosamente com o sector da cultura, onde jamais se arrancar da linha de partida.

A terceira coisa a notar é que, desde a década de 1970 para cá, a intervenção dos sectores «intelectuais» e artísticos na vida cívica e política tem vindo a minguar, sendo agora muito fácil apontar as duas ou três excepções remanescentes. Como eu não acredito na despolitização, tenho de concluir que estes sectores, consciente ou inconscientemente (mas para todos os efeitos objectivamente) se renderam ou venderam à linha ideológica hegemónica. Este labéu não pretende beliscar ou diminuir o trabalho meritório de colectivos como o CEM e outras excepções - apenas pretende revelar a regra dominante.

É assim que, a meio do referido debate, vemos alguém afirmar que o futebol também faz parte da cultura. É claro que não estava a ser referida a prática comum nos anos 1960 de os miúdos virem para as ruas (nessa época sem carros) jogar à bola - obviamente estávamos a falar da indústria do futebol, tal como toda a gente a conhece. Temos portanto que figuras do pensamento sobre cultura portuguesa confundem a indústria do futebol com cultura, e portanto talvez confundam também a agricultura industrial de tomates com a cultura culinária portuguesa.
Serve este exemplo para revelar o estado do debate sobre cultura dentro do seu próprio território.

Se, por um lado, a indústria do futebol foi erguida ao nível cultural, por outro sucede uma coisa curiosa: não estavam presentes na reunião rappers, nem activistas culturais dos bairros de lata e das associações de bairro, nem grupos de teatro de «província», nem representantes do grupo de activistas que anda a fazer sessões de criação literária e poética com comunidades analfabetas na região de Lisboa (e que por acaso até estiveram presentes no debate sobre a dívida pública, por exemplo, o que significa que pura e simplesmente não estão ausentes do debate e da acção), nem performers de clownining nas manifestações (que de resto nem sequer existem em Portugal), nem...
Não estavam presentes representantes de outras épocas de intervenção artística marcante. Não havia Felizes da Fé, não havia Josés Mário Branco nem Rigos, não havia... toda uma tradição de acção e transformação social. Aparentemente, a tradição e a experiência acumulada ou se evaporaram ou emigraram.

Duma maneira geral tão-pouco estavam presentes aqueles que, do meu ponto de vista, são os principais interessados, beneficiários e actores da cultura. Estavam presentes maioritariamente modestos representantes do poder ideológico dominante. Esta ausência não deve ser imputada aos promotores do debate - que, tanto quanto sei, nem sequer têm uma visão especialmente elitista da cultura. Sucede, simplesmente, que os presumíveis interessados não parecem ter achado interessante ou necessário estar presentes. E isto basta para definir o estado do debate sobre cultura e respectivas propostas de organização e acção.
O que não impede que continuem a ser produzidas peças de teatro, compostas canções, produzidas peças de dança, vendidos quadros, e livros, e DVDs, e...
Não é isto curioso?

Enfim, não podendo eu deixar de acorrer a este tipo de iniciativas embebido de um certo espírito revolucionário, saí de lá com uma impressão semelhante à que teria se participasse numa reunião de banqueiros - só que, neste caso, nem sei quantos deles terão lido O Banqueiro Anarquista de Fernando Pessoa.