17/12/13

Medina Carreira: licença para matar

Medina Carreira voltou a atacar os reformados, esta semana. No programa «Olhos nos Olhos», da TVI24, veio dizer que o Estado tem de pagar as reformas a 3,5 milhões de portugueses; e que no espaço de 30 anos (entre 1970 e 2010) o número de pensionistas subiu de 250 mil (na verdade 260 mil) para 3,5 milhões. A desonestidade intelectual deste aldrabão com assento permanente na televisão é escabrosa.


Em primeiro lugar, dizer que o número de reformados subiu entre 1970 e 2010 de 250 mil para 3,5 milhões deveria ser motivo de júbilo, e não de alarme. Da mesma forma e no mesmo espaço de 30 anos,
  • a taxa de analfabetos desceu de 25,7 % da população para 5,2 %;
  • a mortalidade infantil desceu de 55,5  para 2,5 (mas agora está a voltar a subir: 2012 = 3,4 ‰);
  • o número de pessoas com ensino secundário subiu de 3,8 % da população para 71,4 %;
  • o PIB per capita passou de € 5.612 mil para € 15.414;
    etc.
    [todos os dados: recolha rápida na base de dados Pordata]
Por outras palavras: o nível médio de miséria, abandono, falta de bem-estar e falta de escolaridade desceu de forma considerável ao longo de 30 anos; o rendimento colectivo disponível subiu largamente, o que permite pagar pensões e outros factores de bem-estar. No início da década de Setenta, a maioria das pessoas, ao entrar na idade em que deixava de ser útil ao patrão, ficava sujeita a difíceis (senão mortais) condições de sobrevivência ou passava a depender duma caridade discricionária – situação para a qual Medina Carreira quer atirá-las de novo e sem meias palavras. O número de pessoas que descontava para uma caixa de pensões era muito reduzido e a reforma não era um direito universal (e é isso mesmo que o número de 250 mil pensionistas apresentado por Medina Carreira quer dizer, e nada mais do que isso).

Em segundo lugar, é preciso deixar claro que o Estado não paga as pensões dos reformados e incapacitados. Quem paga são os trabalhadores (os actuais e os ex-trabalhadores), que quotizam uma parte das suas remunerações para os fundos de pensões. São os fundos de pensões que pagam as reformas; e estes fundos não fazem parte do Estado – pertencem aos sistemas de solidariedade dos trabalhadores – e sempre foram suficientes, gerando mesmo um largo saldo positivo que o ex-ministro Vítor Gaspar não se fez rogado em aplicar fora da esfera de interesses dos trabalhadores.

06/12/13

O espartilho aristotélico

(Nota: este artigo é um esboço de ideias a desenvolver.)
Vai para 2400 anos que o pensamento, em especial o erudito, é espartilhado pela lógica aristotélica. Um desastre. Nada que o próprio Aristóteles não tenha previsto, como demonstra no Paradoxo da Batalha Naval, onde coloca de forma muito precoce a questão do livre arbítrio, ou, para usar uma terminologia mais actual e ligada às lutas sociais, a capacidade de alterar materialmente a realidade. Entretanto, sucessivas gerações aceitaram as limitações impostas por aquilo que passaria a ser designado lógica aristotélica e que, desgraçadamente, não nos permite ver a realidade inteira – apenas alguns casos particulares dessa realidade – e portanto nos tolhe, quando chega o momento de transformar essa mesma realidade.

26/11/13

Habilitações necessárias para ministro

Saindo da toca uns quantos salvadores do país e da democracia, logo se puseram num berreiro contra a falta de democracia, o desconchavo das contas públicas, o aperto que o povo sofre e outras maleitas resultantes da governança. Sendo que por acaso foram eles ou padrinhos, ou mandantes, ou executantes do golpe militar do 25 de Novembro de 1975, que derrotou as experiências de democracia directa e instituiu o Estado de direito e a democracia representada, da qual continuamos a padecer ainda agora - e independentemente de alguns dos seus berros terem razão de ser -, creio que é muito boa ocasião para citar Eça de Queirós. Eu sei que já vamos na milésima citação deste mesmo texto, mas ainda assim não deixa de vir a propósito.

Há muitos anos que a política em Portugal apresenta este singular estado:
Doze ou quinze homens, sempre os mesmos, alternadamente, possuem o poder, perdem o poder, reconquistam o poder, trocam o poder ... O poder não sai duns certos grupos, como uma péla que quatro crianças, aos quatro cantos de uma sala, atiram umas às outras, pelo ar, num rumor de risos.
Quando quatro ou cinco daqueles homens estão no poder, esses homens são, segundo a opinião e os dizeres de todos os outros que lá [não] estão, os corruptos, os esbanjadores da fazenda, a ruína do país.
Os outros, os que não estão no poder, são, segundo a sua própria opinião e os seus jornais, os verdadeiros liberais, os salvadores da causa pública, os amigos do povo, e os interesses do país!
Mas, coisa notável! – os cinco que estão no poder fazem tudo o que podem para continuar a ser os esbanjadores da fazenda e a ruína do país, durante o maior tempo possível! E os que não estão no poder movem-se, conspiram, cansam-se, para deixar de ser o mais depressa que puderem – os verdadeiros liberais, e os interesses do país!

25/11/13

Xenofobia impune na Polícia?

Dada a gravidade criminal e política dos actos praticados por alguns agentes das forças policiais (vulgo «autoridade») e a perspectiva de permanecerem impunes como de costume, aqui reproduzo um artigo publicado pelo Pensador Zarolho:

De tudo aquilo que se viu, disse, escreveu e leu sobre a manifestação das forças de segurança, na passada quinta-feira, em frente à Assembleia da República, há um triste episódio que passou despercebido, talvez por ter sido apenas visto na antena da Sic Notícias, num directo do Jornal das 9.

Após os manifestantes terem subido, de forma ordeira e pacífica, as escadarias da Assembleia da República, surge nos ecrãs um manifestante que começa por insultar todos os seus colegas de profissão que, por convicção, por falta dela, ou por qualquer outro motivo, não puderam, ou não quiseram, estar presentes naquele protesto, vociferando que "os cobardes ficaram em casa".

Como se isto já não fosse suficientemente grave, o mesmo manifestante decide apontar baterias a um alvo que nada tem que ver com os motivos que o levaram ali e começa a berrar "porcos pretos prá África!", como podem confirmar no vídeo abaixo.

23/11/13

Os pauliteiros e o beco

 
 
Há uma parte importante da história verdadeira, não mitificada, do PREC que está por fazer. Verdade seja dita, há imensas partes. Mas esta que aqui quero recordar considero-a particularmente importante, pois é uma das principais fontes de fragilização de todo o processo revolucionário em curso (PREC) durante 1974-1975, senão a de maior caudal. Refiro-me à enxurrada de candidatos a militantes que assaltou os partidos logo a seguir ao 25 de Abril de 1974. Por essa época os militantes e quadros partidários formados durante a resistência à ditadura totalizavam uma ninharia de gente, face à efervescência popular e ao número de frentes de luta, que aumentava todos os dias a olhos vistos. Perante a sua própria falta de recursos humanos, os partidos cederam à gula e puseram-se a distribuir cartões a torto e a direito – um recorde que só viria a ser vencido anos mais tarde, com a distribuição indiscriminada de cartões de crédito bancário.
 
Disse partidos, em geral e abstracto; mas de facto interessa-me sobretudo falar dos partidos de esquerda, pois apenas destes tenho algum conhecimento directo. A enxurrada de candidatos a militantes engordou uma parte dos partidos (os «grandes») – estou a lembrar-me, por exemplo, da UDP e do PCP. Os outros, aqueles que por cautela ou desconfiança apenas abriram uma nesga da porta, e ainda assim sempre perguntando pelo santo e senha, mantiveram uma dimensão diminuta. Isso lhes valeu, durante as 4 décadas seguintes, serem gozados e amesquinhados pelos «grandes». Ser pequeno tornou-se um anátema. 

21/11/13

Representações opusdeificadas da ideia de sexualidade

Passou uma semana de tiradas de bloguistas, articulistas e comentadores de esquerda sobre a sexualidade e a indústria do machismo, como se pode ver aqui (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9) (obrigado pela listagem, Renato). Há muito alguns destes autores deveriam ter feito um pacto de silêncio sobre dois (pelo menos) territórios: a arte e a sexualidade. Poupar-se-iam assim a figuras tristes. Poupar-me-iam a mim ao pesadelo de os imaginar um dia com alguma espécie de poderes sobre o território artístico, moral e comportamental das nossas vidas. 

Sobre a ausência de pensamento em matéria de artes, já disse, numa série de 7 artigos. Sobre a presente questão da sexualidade e da exposição do corpo, a resposta é mais difícil. É difícil, em primeiro lugar, porque os textos em questão são na sua generalidade indecifráveis, retorcidos e incoerentes. De que raio estão eles a falar, ao certo? Por fim damo-nos conta de que a dificuldade provém do rebuscado rebuço com que expõem o tema – o rebuço de quem quer falar do assunto, zurzir nos pecadores, mas se vê enredado numa mortalha de vergonha que não permite dizer tudo às claras (creio não estar a fazer nenhum julgamento de intenção).

Na impossibilidade de extrair algum pensamento coerente desses arrazoados, escolho umas quantas citações avulsas.

19/11/13

Dicionário do charme político: desenvolvimento


Muitos termos usados pelos políticos profissionais e pelos poderes públicos vencem pelo charme e matam pelas consequências.

Este dicionário do charme político está em vias de construção lenta e por fases.
Verbetes anteriores: economia ;

Desenvolvimento

Etimologia
Temos aqui escondida uma raiz mínima: volver (dar voltas). A partir dela se formaram e evoluíram conceitos tão variados como envelope, evolução, revolta, revolução, envolver, … Esta diversidade de derivados mostra que a evolução histórica e cultural dos conceitos é uma parte fundamental da etimologia. No caso particular do desenvolvimento, temos que partir da ideia de envolver/envelope – dar voltas a uma coisa para a enroupar em algo; comprometer alguém num determinado âmbito de interesses. O moderno conceito de desenvolvimento é indissociável da ideia de continente; dizer que uma corrente de ar se desenvolveu numa gripe contém a ideia de que algo (neste caso um vírus) que estava contido foi libertado do seu invólucro protector, provocando uma cadeia de reacções.


Uso actual
A origem e utilização do conceito político de desenvolvimento tem origem (tanto quanto sei) no discurso de tomada de posse do presidente norte-americano Truman:
«O velho imperialismo – a exploração para enriquecimento estrangeiro – não faz parte dos nossos planos. Concebemos um programa de desenvolvimento baseado nos conceitos de justiça e fair-dealing democrático. Todos os países, incluindo o nosso, teriam muito a ganhar com um programa construtivo para melhorar a utilização dos recursos humanos e naturais» [Harry S. Truman, 20-01-1949] *

Dicionário do charme político: economia

Muitos termos usados pelos políticos profissionais e pelos poderes públicos vencem pelo charme e matam pelas consequências.
Este é um dicionário do charme político, em vias de construção lenta e por fases.


Economia


Etimologia
Os gregos chamavam «oikos» à casa, incluindo todo o seu conteúdo e administração; chamavam ao administrador desse conjunto de coisas «nemó». Formou-se assim a palavra «okomos», que designa a administração da casa. A palavra «nomos» designava o acto de contar, ou atribuir, ou distribuir. O sufixo «-ia» indica a qualidade duma coisa. Portanto «economia» designa originalmente as funções de contabilidade e gestão da casa, e circunscreve um âmbito pessoal e patrimonial. Como todas as raízes, esta contém em si a génese da verdade das coisas designadas. A raiz permanece; sem ela a palavra não poderia sobreviver. Mas no decorrer do tempo, das culturas e da História o termo foi desabrochando em novos sentidos. Em 1615, em pleno absolutismo monárquico, Antonio de Montcheretien propôs que, sendo o conceito de economia aplicável à administração do Estado (a casa real), deveria introduzir-se a ideia de «economia política». Mais tarde William Petty publica a Aritmética Política; e por fim Adam Smith publica em 1776 A Riqueza das Nações, trazendo definitivamente o conceito para o âmbito da coisa pública; não por acaso, a Inglaterra adiantava-se então na senda industrial e capitalista. O nome de relevo que geralmente é indicado a seguir é o de Alfred Marshall, que em 1890 publica os Princípios de Economia. O nome que geralmente fica ocultado é o de Karl Marx, que dedica uma vida inteira a reconduzir o estudo da economia à categoria de ciência e por volta de 1867 publica o Livro I de O Capital. Marx torna clara a associação dos modelos económicos e de produção (ou mais exactamente os modelos de apropriação e gestão dos meios de produção) aos factores determinantes (de base) que estruturam uma sociedade de alto a baixo. De facto, no que respeita ao presente artigo, a primeira coisa a assinalarmos na versão moderna da expressão «economia» é a sua adequação à fase actual do modo de produção capitalista.

14/11/13

Proponho uma revisão da estátua da república, tomando como modelo mariano a Brigitte Bardot


Cada vez mais ouço, ao passar por esquinas e portais, senhores de pasta e gravata enfiada em casacos de azul-escuro e de mau corte dizerem que «é preciso esquecer a Constituição». Referem-se, julgo eu, à suspensão de normas fundamentais em benefício de determinadas práticas favorecedoras de determinados interesses económicos (senão, porquê a pasta, o azul e o mau corte?).

Estas conversas mantidas à esquina do tempo, que imagino seja o da espera pelo boss ou pelo motorista, são em tudo semelhantes às dos bêbados que, em estado já neuronicamente diminuto, nas tascas dão lições técnicas ao treinador do seu clube de futebol favorito, não fazendo a mais pequena ideia do que estão a falar. Ficamos assim a saber que há muito não se ensina na escola uma coisa básica: o que é uma constituição e para que serve.

02/11/13

Nunca mais começa a guerra civil?

A quantidade de meios de produção, obras de arte, monumentos, hospitais, escolas e habitações destruídos pelas duas guerras mundiais – para não falar já no essencial, que são as vidas humanas perdidas – foi avassaladora. As imagens dessas perdas são de tal forma fortes, que ao olharmos para elas o coração nos dá um solavanco na caixa do peito. A destruição foi efectuada através de bombardeamentos e outros meios de destruição maciça; deixou para trás cidades inteiras arrasadas. Como é sabido, quando a taxa de lucro do capital cai drasticamente, a guerra é o seu remédio santo – depois das duas grandes guerras a «economia» (leia-se o lucro privado) entrou em espectacular recuperação. 


Mas os tempos mudam, e de que maneira! Para entendermos o que se passa hoje, teremos de analisar os acontecimentos à luz das profundas transformações operadas nos recursos e nos métodos de guerra nas últimas décadas.

 

26/10/13

O concerto de S. Bento


Decorreu hoje em Lisboa uma manifestação convocada pelo QSLT, com concentração no Rossio e ponto final em S. Bento, frente ao Parlamento. Por razões de idade e de saúde, é para mim um sacrifício considerável acompanhar manifestações, em especial daquelas que percorrem quilómetros, com subidas e descidas, passo de caracol, paragens constantes. A manifestação de hoje foi desse tipo, apenas evitando subidas e descidas, mas à custa de uns quantos quilómetros mais de percurso nesta cidade feita de colinas. Sobram os apoiantes de sangue na guelra, fica de parte uma boa metade da população potencialmente apoiante (olhem para a pirâmide etária do país, seus broncos), bem como todos os casais jovens com crianças. Isto, numa época em que é mais fácil mobilizar um idoso reformado do que um jovem estudante de Direito...

Cheguei bastante atrasado ao Rossio - a cabeça da manifestação já tinha arrancado. Reparei que a polícia, desta vez, não tinha adoptado uma atitude ostensiva e agressiva - um mistério que se resolveria daí a duas horas.

17/10/13

Solidão, emoção, militância

 

Num banco de jardim sigo desconfiado o deambular desses ratos com asas que dão pelo nome de pombos, enquanto aguardo a chegada do meu amigo. Esta espera forçada pelo atraso alheio, que muitos consideram um dos pecados maiores da má-criação nacional, quero eu encará-la nesse instante como uma dádiva – um momento de ócio, por oposição a negócio.

13/10/13

Mudanças do paradigma eleitoral em 2013

Aqui vos deixo uma análise estatística das eleições autárquicas de 2013, da autoria do meu amigo Rui Viana Pereira. (corrigido e reformulado em 16/10/2013)
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Procuro neste texto apresentar um estudo sucinto sobre os resultados das eleições autárquicas de 2013. Antes de entrar na análise dos dados, convém chamar a atenção para algumas condicionantes (ver anexo «Considerações e notas metodológicos» para mais detalhes):

12/10/13

Pequena etimologia da estética e da ética

Etimologia é uma palavra erudita, composta a partir das palavras gregas étimo (= verdade, significado verdadeiro) e logos (= discurso, razão). Designa, portanto, o estudo do verdadeiro significado das palavras. Com o correr do tempo e da linguística, passou a designar também a evolução semântica Assim, do ponto de vista erudito o verdadeiro significado duma palavra reside na sua origem, temperada e acrescentada pela sua história ao longo do tempo e das culturas por onde passou.

Buscando a etimologia de estética e de ética, rapidamente concluímos que estética refere o que é belo e ética (ou moral, na versão latina) refere o que é bom em matéria de comportamentos e costumes.


Aqui chegados, o problema com que nos deparamos é o seguinte: verdade designa, já na sua própria etimologia, um sistema de valores. Ora o que tem valor para mim pode não ter valor para ti; por outras palavras, o que é verdadeiro para mim pode ser falso para ti. A ciência procura fugir a este beco sem saída partindo do princípio que há coisas que são válidas (= têm valor, são verdadeiras) para toda a gente – por exemplo, a «força da gravidade» é válida para todos, incluindo os que levitam. Mas afirmações como «esta vivenda é bela», ou «deve-se dar passagem às damas», não podem ser consideradas verdades universais. O seu valor depende de quem as aprecia.

Ou seja: toda a estética e toda a ética suscitam a pergunta «para quem?». Se eu afirmo «isto é belo», tenho de admitir que alguém pergunte logo de seguida: «para quem?». Se eu afirmo «isto é ético», ou «isto é imoral», tenho de admitir que me interpelem: «para quem?».

Ora eu adopto uma definição minimal e suficiente de política: é a arte de colocar, em todas as circunstâncias da vida social, a pergunta «para quem?» – de tal forma que a política se torna a única forma de virar costas às abstracções e generalizações desumanizantes para regressar à materialidade e identidade de cada ser humano. Se me dizem «este imposto é justo», imediatamente pergunto: «para quem?». Por conseguinte tenho de concluir que a estética e a ética têm carácter profundamente político.

12/09/13

Uma política para as artes? (7)

[continuação da série sobre artes e cultura; ver artigos (1), (2), (3), (4), (5), (6)]

A experiência adquirida ao longo das últimas décadas mostra que, apesar de tudo o que diz a maledicência tão comum na cultura portuguesa, é possível desenvolver uma política útil de apoio à criação artística e os seus resultados podem atingir um nível notável. Infelizmente o apoio à divulgação internacional desses resultados não foi o devido, deixando isolados quer os artistas quer o próprio esforço de financiamento público.
É preciso ter em conta que o resultado dos apoios públicos pode (consoante as circunstâncias) levar anos a revelar-se.
Tentemos sumariar as linhas gerais do que ficou dito nas secções anteriores e esboçar algumas conclusões genéricas.

Uma política para as artes? (6)

[continuação da série sobre artes e cultura; ver artigos (1), (2), (3), (4), (5)]

Outra forma de colocar a questão: o risco


Poucas pessoas terão noção do tempo e das experiências fracassadas que uma pequena descoberta terá custado a um investigador científico. O que fica para a história é esse breve momento de sucesso, frequentemente ao cabo duma resma de experiências fracassadas. Mais ainda: muitas descobertas foram originadas por erros cometidos no processo de investigação.

A situação do artista de vanguarda é em tudo semelhante – uma descoberta importante no campo das artes pode custar uma vida inteira de trabalhos; e, por outro lado, um erro na utilização técnica dos pincéis, ou duma câmara, ou dum piano pode dar origem a descobertas inesperadas. No limite, porém, temos de admitir que o artista ou o cientista passem a vida inteira a trabalhar e morram sem chegar a nenhum sucesso digno de nota.

O que há de comum entre ambos é o experimentalismo, a assunção do risco e uma enorme quantidade de trabalho. Assumir o risco, contudo é a única forma de sair do grau zero civilizacional.

O risco e o experimentalismo são uma qualidade distintiva da arte de vanguarda, e isso mesmo a distingue da arte mainstream.

É costume dizer-se que o que caracteriza o investidor (capitalista) é a disponibilidade para assumir riscos. Nada mais contrário à realidade (mais uma vez: não tomemos as excepções por regra). Conheci pessoalmente um candidato a empresário que nos anos 50 teve uma série de ideias inovadoras em Portugal: fez um aviário com pintos, e depois uma «plantação» de caracóis, e assim por diante, sempre com o mesmo resultado: falência – a iniciativa era demasiado inovadora, demasiado precoce na história da evolução social portuguesa. Mas, apesar do entusiasmo que este exemplo possa suscitar, é fácil constatar que 99,99% dos investidores apostam onde de facto não há risco. Aquilo a que eles chamam risco é outra coisa, da qual ninguém está a salvo: um azar. Um azar é uma ocorrência imprevista onde tudo fazia prever o sucesso. Um risco, ao invés, é uma iniciativa que avança de peito aberto para o fracasso, a não ser que tudo corra inesperadamente bem.

O risco e o experimentalismo são parte essencial da arte de vanguarda. Ou, dito doutra forma: o risco e o experimentalismo de hoje podem ser a fórmula de sucesso de amanhã.

Podemos atacar a arte de vanguarda, retirar-lhe as condições de apoio, acossá-la como um animal e impedir a sua expressão – mas nesse caso temos de estar preparados para nunca evoluir para além da pintura rupestre.

Se, pelo contrário, quisermos dar-lhe uma oportunidade, temos de estar preparados para uma coisa pouco acessível aos cobardes: assumirmos também nós um risco, ao apoiarmos a aplicação de recursos públicos no apoio a quem produz a arte de vanguarda – mesmo sabendo que é muito difícil defini-la e identificá-la; mesmo sabendo que talvez estejamos a sustentar alguém que, apesar de trabalhar afanosamente toda a vida, pode jamais conseguir produzir um trabalho de valor assinalável. O problema é que, se não aceitarmos o risco... enfim, já ouviram dizer que «quem não arrisca não petisca»?

Quanto maior for a acumulação de riscos (e portanto de apoios e financiamentos) tanto melhores serão as hipóteses de obtermos bons sucessos. Isto deve-se não só à lei da probabilidade, mas também, ou sobretudo, ao fenómeno do limiar de massa crítica.

[continua no próximo artigo]

11/09/13

Uma política para as artes? (5)

[continuação da série sobre artes e cultura; ver artigos (1), (2), (3), (4)]


As condições subjectivas da criação artística

Ao fim do dia, depois de picar o ponto e atravessar o portão, o operário da fábrica de donuts pode pôr literalmente para trás das costas o trabalho e a fábrica. Pode ir para casa e dormir, brincar com os filhos, ver televisão, sem estar a ver em toda a parte e em todos os rostos donuts, sem pensar obsessivamente que outras formas e sabores poderiam ser concebidos, sem congeminar formas mais eficazes e baratas de produção.

10/09/13

Uma política para as artes? (4)

[continuação da série sobre artes e cultura; ver artigos (1), (2), (3)]

Escola, consumo, artes

A generalidade do público é remetido para a posição de mero consumidor e desconhece a realidade viva da criação artística. O consumidor – aquele que paga para ver um filme, ouvir um disco, visitar uma exposição, ler um livro – está para a produção artística como o consumidor médio americano está para os panadinhos de pescada pré-cozinhados – julga que aqueles cubinhos de peixe nascem assim na natureza, e quando um dia descobre o animal donde proveio o produto fica tão chocado que nunca mais come panadinhos.

09/09/13

Uma política para as artes? (3)

[continuação da série sobre artes e cultura; ver artigos (1), (2)]

Sobre os modos de produção artística

As variantes quer da organização do trabalho artístico quer da situação subjectiva do artista são virtualmente infinitas. Digamos que no limite cada obra e cada autor constituem um caso específico. No entanto, quanto aos modos de produção, podemos distinguir dois grandes grupos:
  • Num extremo temos a produção artística individual, inteiramente controlada e organizada por um autor solitário; podemos neste caso falar de um modo de produção individualizado e independente, em certa medida comparável ao artesanal.
  • No outro extremo temos um modo de produção colectivo em que a organização do trabalho artístico e os respectivos meios de produção são dominados por uma gestão empresarial; podemos neste caso falar de uma produção industrial e de um fenómeno de proletarização do trabalho artístico.
Entre estes dois extremos encontramos uma multidão de casos específicos, como é próprio das artes.

06/09/13

Uma política para as artes? (2)

[Nota: É favor consultar artigo anterior, para contextualizar o actual.]
Onde se celebra o centenário de 1913 e se distribuem umas chapadas em honra da Sagração da Primavera.

Uma política para as artes? (1)

Uma polémica recente na blogosfera a propósito de uma performance reacendeu-me na memória um facto que quanto mais se afirma mais tende a tornar-se invisível: há na cultura portuguesa actual um vazio, uma ausência de pensamento revolucionário sobre as artes e a cultura – e portanto uma ausência de programa entre as hostes que pretendem construir uma sociedade nova e melhor.

31/08/13

Fecha as pernas, que vêm aí as gaivotas

Estávamos acampados numa praia de nudistas – esse lugar onde, ao fim dos 3 dias que olhos pedem para se acostumarem à luz, se revelam belos os mais improváveis corpos, porque só sob a exuberância da luz nua se pode exercer o olhar que o urbano pundonor cega.

Estávamos ociosamente estendidos ao sol – eu, a minha namorada, e a namorada da minha namorada. Era essa hora poente em que as gaivotas, talvez atraídas pelo cheiro dos peixes que os pescadores abandonam no areal, decidem patrulhar as areias, aventurar-se mesmo à beirinha dos banhistas, como se fossem bicá-los, e lançar aqueles gritos de duvidoso significado, se retirarmos da cena a imagem que lhes identifica a origem.

Nisto, diz a minha namorada à amiga: «Fecha as pernas, que vêm aí as gaivotas.»

E de facto, dou-me conta então – e só então, e não daria, não fora esta observação (ou piropo?) da minha amiga – que flutuava no ar um cocktail de odores especioso, feito de eflúvios de maresia e vulva (não sei já dizer qual delas), uma miscelânea duma elegância rara, irresistível, inebriante e langorosa no mesmo lance.

É preciso guardar gratidão eterna a essas pessoas que têm a qualidade rara de nos atirar frases destas, de nos impor o óbvio, que fazem os cegos levantar-se e ver, e sem as quais permaneceríamos mutilados de nós mesmos toda a vida.

30/08/13

O perigo umarino deve ser espezinhado aos pés e deitado aos cães

[Actualização em 6/09/2013: Uma parte deste artigo baseou-se na apreciação de um acontecimento que eu apenas conhecia por interposto testemunho. Foi um erro, evidentemente, como veio a provar-se quando vi o vídeo da intervenção em questão, onde uma militante feminista fala sobre a questão do assédio e a situação da mulher. Por desconhecer o sentido de algumas palavras em português (creio eu) e por infelicidade de linguagem (creio eu outra vez) inerente ao risco da improvisação em público, a apresentação contém deslizes que não deixo de apontar, por roçarem atitudes extremas de normatividade e criminalização de comportamentos que me levam, por exemplo, a não querer viver no Irão. Mas de uma maneira geral defende uma tese geral obviamente correcta: o direito das mulheres a usufruírem o espaço público sem se sentirem ameaçadas e não deixarem passar em claro os abusos e violências de que são vítimas. Perante isto, o meu artigo talvez pudesse ser reformulado ou substituído. Como sou contra a manipulação da história, mantenho o registo de um artigo que já foi publicado.]

26/08/13

O que é a classe média – adenda

Ensaiei no artigo anterior uma redefinição abreviada e actualizada de classe média. Fi-lo de forma sumária, como convém ao formato de um blog.

A minha motivação foi simples: ainda que se considere duvidoso o interesse de definir um conjunto de classes médias, a utilização desse conceito é corrente no vocabulário quotidiano e recorrente na propaganda ideológica de todas as cores; já que não podemos eliminar o conceito (e a propaganda), ao menos tentemos corrigi-lo e construir um conceito operacional em termos políticos.

A redefinição proposta de «classes médias» levantou numerosas objecções, fosse pela sua brevidade (que exigia alguma reflexão e «trabalho de casa» do leitor), fosse pela sua novidade. Em atenção a alguns desses objectores acrescento agora, mais uma vez de forma abreviada e parcelar, alguns apontamentos dispersos.

17/08/13

O que é a classe média


O lodaçal académico

A maioria dos politólogos, sociólogos, economistas e outros melros que tais adora complicar o que é simples. Bom, na verdade, a organização social nada tem de simples, uma vez que nela nada funciona segundo uma causa determinística única, linear, da qual resulte um efeito determinado único. Mas ainda assim há imensos factores sociais que não carecem de dezenas, centenas ou milhares de páginas para serem explicados.

Um desses lodaçais teóricos é a definição de «classes médias». Não sei nem me interessa saber donde vem esta designação, mas reconheço-lhe pertinência. O lodaçal teórico, porém, não tem razão de ser, pois a definição de «classes médias» é simples.

13/08/13

FFF - felicidade, felácio, fé

Mude você mesmo o seu presente – eu não posso ajudar

Há milhares de anúncios com coisas deste teor (colho um ao acaso, o primeiro que me saiu na rifa ao abrir o navegador de Internet):

«E se tivesse a oportunidade de mudar o seu futuro? Acabe com os seus problemas e encontre a felicidade tão desejada. Eu posso ajudar.»



O mesmo tipo de anúncios é afixado nos jornais, ao lado das campainhas das portas, distribuído em mão na rua e introduzido nas caixas de correio. Há para todos os gostos – uns mais ocidentalizados, outros mais africanizados.

O que de comum encontramos em todos é:
  1. uma cesura entre o passado, o presente e o futuro – sendo o presente passivo;
  2. a ideia de que o futuro está pré-determinado (daí a utilização no anúncio da expressão «mudar o futuro»);
  3. a ideia de que é preciso recorrer a um guru para mudar o futuro.
Cesura, compartimentação, determinismo, sectarismo – eis algumas das chaves destes anúncios.

09/08/13

Que não se repita este amargo de boca

Estou aborrecido comigo mesmo – com a atitude que eu próprio apliquei ao dia do meu próprio aniversário,  passando por ele como cão por vinha vindimada.

Nesta atitude parda, indiferente, aversa a um momento de excitação aparentemente pueril, há qualquer coisa que roça as atitudes fascistas.

30/07/13

Greve e desobediência cívica contra a CML

A CML (Câmara Municipal de Lisboa) comporta-se desde há muitos anos como uma associação de gangsters especializados em extorquirem dinheiro dos contribuintes, destruírem o que de melhor foi acumulado e herdado na cultura popular e urbana local, e favorecerem obscuros os interesses privados. É uma espécie de Máfia instituída ao abrigo da lei.

A lista de barbaridades cometidas é tão extensa, que neste momento é já muito difícil fazer um dossier completo das políticas municipais, suas ligações aos interesses privados e suas consequências. Esse dossier, no entanto, tem de ser feito, mais cedo ou mais tarde, sob pena de jamais conseguirmos avaliar devidamente o que a cidade perdeu, o que foi destruído, o que ainda pode ser recuperado e as responsabilidades processuais e criminais envolvidas - embora, na verdade, muitas das perdas culturais e patrimoniais sejam irrecuperáveis.

Entretanto, aqui vai uma brevíssima lista de crimes cometidos pela CML, a título de exemplo:

25/07/13

Regulamentação da lei do cinema – palavra chave: negócio

Em Setembro de 2012 foi aprovada a nova Lei do Cinema (Lei n.º 55/2012), que «estabelece os princípios de acção do Estado no quadro do fomento, desenvolvimento e protecção da arte do cinema e das actividades cinematográficas e audiovisuais». Como acontece frequentemente, esta lei não pode ser aplicada sem que sejam definidos, regulamentados e criados, através de decreto-lei específico, muitos dos mecanismos genericamente definidos na lei principal.


Há um ano que a Lei do Cinema repousava numa gaveta, à espera de regulamentação. Há mais de um ano que os profissionais e criadores do cinema português viviam num limbo, à espera que a lei do cinema ressuscitasse do seu sono de bela adormecida. Finalmente, o decreto-lei regulamentador baixou ao parlamento. Baixou, mas imediatamente levantou alguns espantos – uns mais previsíveis, outros menos.

19/07/13

Mandem lá calar esse velho jarreta!

Como se explica que um trafulha incompetente como o sr. Henrique Medina Carreira, que nunca apresentou um único número ou gráfico fidedigno, que não entende absolutamente nada de economia política, que tem tiradas dignas dos arquitectos da eugenia hitleriana, tenha durante anos a fio 50 minutos de antena semanais e dirija um programa em que a entrevistadora e os editores nitidamente não passam de figuras decorativas?

17/07/13

Um povo inteiro de fralda


Tem medo o presidente, tem medo o PS, tem medo a oposição de esquerda, tem medo a direita; tem medo o trabalhador, tem medo o precário, tem medo o desempregado. Toda a gente tem medo. Não por realismo. Apenas por cobardia.

Todos andam de fralda, por via de não se borrarem.

Dois parolos tacanhos sentados à mesa da RTP às 10 da noite urram de pânico

Dois parolos detentores ostensivos de tacanhez indómita, um respondendo ao nome de José Matos Correia e outro nem sei por que nome, deram às câmaras da RTP-notícias um enervante concerto de latidos e rosnidos. Pertencem ambos a uma elite de provincianos munidos de diploma com que ensopam no sovaco os suores frios. Em tudo fazem lembrar mortos-vivos foragidos duma campa de meados do século XIX, ou velhas caricaturas literárias da mesma época, tal é a incapacidade que têm de disfarçar os jogos de camarilha e compadrio que subservem com descaro façanhudo.

10/06/13

Como fazer política


«Ninguém é mais escravo do que aquele que considera ser livre sem o ser» (Goethe).

Saber fazer política apenas é dispensável para quem aceite como projecto de vida a escravidão.

Felizmente fazer política é a coisa mais fácil do mundo. Não carece de cursos de especialização nem de uma vida inteira de estudo e investigação, ao contrário do que acontece com a economia, a física quântica, a criação cinematográfica e muitas outras actividades altamente especializadas. Fazer política é talvez o acto mais simples do mundo para quem viva num ambiente social denso. Diria mesmo que fazer boa política corre o risco de ser mais simples do que fazer bom sexo.

06/06/13

A teoria do valor, o mijo e a CML


Sai actualmente mais caro mijar para os esgotos de Lisboa, do que beber o copo de água que gera o mijo.

Seria isto um magnífico exemplo da teoria do valor acrescentado pelo labor humano, não se desse o caso de não o ser. É, na verdade, um magnífico exemplo do banditismo da Câmara Municipal de Lisboa (CML), que inventou 5 (cinco) impostos de saneamento sobrepostos ao consumo de água propriamente dito (para além de outros que não vêm ao caso).

04/06/13

Um país de capados e excisadas


Um dos fenómenos mais fascinantes da História é a forma imprevista como por vezes uma minúscula faísca, aparentemente débil e insignificante, pode incendiar a movimentação popular, provocando uma viragem dos acontecimentos. O papel destas humildes fagulhas repete-se invariavelmente ao longo da História, em todos os continentes, desconcertando os teóricos, políticos, agitadores e revolucionários que em vão tentaram, durante anos, despertar a combatividade popular. E de repente, sem razão aparente, à margem dos tutores da política, o milagre acontece!

Apesar da imprevisibilidade deste tipo de acontecimentos, uma análise rápida dessas «faíscas» permite-nos compreender porque se transformaram elas em incêndios generalizados; permite-nos até perceber quando pode ou quando «deveria» ter acontecido.

E uma análise atenta e honesta dos tutores da política talvez nos permita compreender também porque não aconteceu antes esse milagre.

Heloísa e Abelardo, traídos pelos seus próprios tutores depois de terem vivido uma história de amor cuja paixão incendiária subverteu todas as normas vigentes e inspirou 9 séculos de romance e imaginação erótica, resignam-se a passar o resto das suas vidas enclausurados, cada um no seu mosteiro, trocando durante 20 anos pacíficas cartas filosóficas. À distância de um milénio, há nisto um quase prenúncio da quietude dos portugueses após uma história de paixão intensa (o 25 de Abril), seguida da traição abjecta com que os seus tutores os mutilaram. Para toda a vida, como fizeram a Abelardo?

21/05/13

Eufemismos: o tempo e o colaborador


De longe e sem concorrente à altura, a mentalidade liberal é a campeã do eufemismo. Ao longo de mais de dois séculos conseguiu eufemizar tudo o que havia de eufemizável.

Desgraçadamente, a eufemização sistemática, enquanto arma política, contém em si mesma um princípio diabólico: provoca a destruição de todo o pensamento estruturado e portanto de tudo o que de bom a civilização ocidental conseguiu criar.

14/05/13

O marketing político (2)

No artigo «O marketing político e a candura pública» postulei uma lei:
«Sempre que um político ou um partido, a propósito de coisa nenhuma, insiste em dizer que não fará uma coisa, isso significa precisamente que está a preparar o terreno para a fazer.»
Por conseguinte façam o favor de registar a seguinte declaração do ministro das Finanças, Vítor Gaspar:
«Depósitos abaixo de 100 mil euros são sagrados»
A interpretação desta manobra deve ter em conta o seguinte, que de alguma forma contraria a lei postulada: as campanhas de marketing muitas vezes dizem coisas horríveis apenas com o intuito de desviar a atenção e os ânimos de algo verdadeiro e tenebroso que se está a passar ao lado (veja-se o caso da TSU mencionado no artigo anterior).

13/05/13

O marketing político e a candura pública


[rectificado em 13/05/2013]
O marketing político e estratégico está razoavelmente documentado na Internet. Para a comunicação social portuguesa ele é um tabu, ou pelo menos uma realidade que deve ser silenciada, mas ainda assim pode ser consultado e investigado por quem tenha umas horas vagas (desempregados, por exemplo) e acesso à Internet. Um dos casos documentados é o da empresa de marketing político que recusou trabalhar na campanha do PS para o parlamento europeu, apesar de o PS ser seu cliente habitual. Em entrevista discretamente publicada, o director da firma justificou a recusa com um conflito ético de interesses: o prof. Vital Moreira (então candidato do PS) faz parte do lobby mundial das indústrias farmacêuticas; ora a empresa de marketing em questão tinha nesse momento como cliente a associação nacional de farmácias, que estava em guerra aberta com a indústria farmacêutica.


28/04/13

O QSLT e a sentença de morte política

Têm chovido, na rede digital, nos jornais e na vida real, os comentários de crítica, aborrecimento e até indignação perante o comportamento do QSLT.1 Parece estar em curso uma espécie de declaração de guerra.


Desgraçadamente esta coisa do QSLT está a criar azedumes que voltam a estilhaçar a esquerda e podem levar décadas a ser adoçados.

07/04/13

Sobre o frentismo (parte 7)

Continuação da série sobre movimentos sociais e frentistas, tentando-se agora avançar para a aplicação do quadro teórico proposto na situação actual. Sem a leitura de pelo menos as secções 1-4 todo o texto que segue perde sentido, pois pressupõe tudo quanto foi enunciado na secção inicial.

Sobre o frentismo (parte 6)

Continuação da série sobre frentismo e movimentos sociais. Nesta secção aponta-se uma característica peculiar das estruturas sindicais. Tudo o que aqui se diz deve ser entendido à luz do quadro teórico estabelecido inicialmente (partes 1-4), para que não se gerem mal-entendidos.

21/03/13

Sobre o frentismo (parte 5)

Depois de estabelecermos um quadro teórico provisório sobre frentismo e movimentos sociais, vamos testá-lo em 3 casos concretos. A escolha desses casos não obedece a outro critério além do razoável conhecimento do autor deste texto sobre o que lá se passou.


[actualizado em 26/03/2013.
Depois da correcção de alguns erros graves nas secções 1-4,
esta secção teve de ser corrigida em conformidade.]

20/03/13

Partam-lhes as pernas!

[actualizado em  21/03/2013]

Ao longo de várias gerações sob ditadura (cerca de 48 anos) os portugueses foram educados no medo. Aprenderam a sufocar a resposta às violências de que eram vítimas.

A seguir, após a instauração da democracia representativa e do estado de direito (1976), este mesmo povo sofreu durante 37 anos uma lavagem ao cérebro – foi-lhe continuamente inculcado que não está certo responder com firmeza e até com violência, se necessário, à violência exercida pelo Estado e pelo patronato.

18/03/13

Sobre o frentismo (partes 1-4)


Nesta série de artigos tento fazer uma primeira abordagem simplificada à questão do frentismo, criando um modelo teórico provisório de análise dos movimentos sociais e frentistas. Este modelo não terá o rigor e a profundidade desejáveis, mas espera-se que um dia lá cheguemos.

Na sua fase actual, esta série é um work in progress confrontado nas redes sociais – uma prática, pouco comum em Portugal, que pretende tirar partido das redes sociais (confrontando e pondo à prova as ideias ainda numa fase de construção) e que belisca o conceito clássico (isolacionista e burguês) de autoria, repondo a intenção original dos primórdios da rede digital.

[Actualizado em 26/Março/2013.
 A versão anterior continha erros graves
 que são agora corrigidos,
 com reflexos nos textos subsequentes.]

11/03/13

Palavras tabu

Um belo dia, aliás fim de noite, foram encontrar Tristan Tzara à porta do Cabaret Voltaire, a caminhar furibundo de um lado para o outro da rua. O público já tinha saído da sala, ordeiramente, satisfeito com o que tinha visto. «Estamos a fazer qualquer coisa profundamente errado – queixava-se Tzara –, o público já não nos parte a casa toda, como costumava acontecer todas as noites.»1

07/03/13

Porque não se radicaliza a luta política em Portugal?


«O que esses senhores temem não são as ideias que vagueiam no ar, que são escritas no papel, impressas ou transmitidas verbalmente. O que eles temem é a organização, a acção organizada, as tentativas organizadas de realizar essas ideias.» – Ernest Mandel.

«O mal verdadeiro, o único mal, são as convenções e as ficções sociais, que se sobrepõem às realidades naturais – tudo, desde a família ao dinheiro, desde a religião ao Estado. […] Empregar todo o nosso desejo, todo o nosso esforço, toda a nossa inteligência para implantar, ou contribuir para implantar, uma ficção social em vez de outra, é um absurdo, quando não seja mesmo um crime, porque é fazer uma perturbação social com o fim expresso de deixar tudo na mesma.» – O Banqueiro Anarquista, de Fernando Pessoa.

05/03/13

Ofensiva e defensiva - o lugar do poder


Uma esforçada tentativa de apontar o essencial e descartar o acessório na intervenção militante. Uma demanda da fonte de todo o poder, do ponto de vista revolucionário. Um texto afável dedicado aos companheiros de estrada obcecados pelo determinismo e pela compreensão cartesiana das coisas.

23/02/13

O grande mito da casa própria

[actualizado em  25-02-2013]

O INE (Instituto Nacional de Estatística) publicou recentemente «Parque Habitacional em Portugal: Evolução na Última Década». Este resumo dos dados recolhidos sobre habitação criou a ideia de que a larga maioria dos portugueses possui casa própria. No nosso entender, trata-se de um mito sustentado numa leitura incorrecta dos dados estatísticos disponíveis. O mito perde a inocência ao ser utilizado como prova da melhoria de vida duma certa camada da população trabalhadora e dos benefícios da concessão alargada de crédito por parte dos bancos.

Comecemos por olhar para a expressão gráfica do mito:



20/02/13

Relvas, a sumidade folclórica

Um sujeito que dá pelo nome de Augusto Santos Silva foi ao noticiário da TVI  expressamente para dizer que tem pena do Relvas por lhe terem cortado a palavra numa escola. Este Augusto é um ex-ministro de estadão, um alto responsável do PS. Pois tudo o que ele tem a dizer sobre a situação do ensino e dos estudantes em Portugal é que são uns malandrecos que não deixam falar o sr. Relvas. Disse e dando o discurso por acabado, saiu pela direita baixa.

09/02/13

Já lerpámos com oito mil milhões

Depois do Ulrich nos vir dizer que ainda a procissão vai no adro e que só temos é de aguentar mais medidas de austeridade, temos agora uma conferência de imprensa em que outros banqueiros vêm afirmar repetidamente (creio que pelo menos três vezes) que podemos estar descansados, que eles tencionam pagar o que lhes emprestámos.

Pronto, já lerpámos com os 8 mil milhões de euros que o governo meteu nos bancos.

Qualquer pessoa com um mínimo de experiência de vida sabe que nada há a recear do amigo a quem emprestámos dinheiro e que não dá notícias até à data da primeira prestação. De quem há a recear é do amigo a quem emprestámos e que, de repente e a propósito de coisa nenhuma, nos aparece lá em casa cheio de boas declarações, «eh pá, tu podes estar descansadinho, que eu vou pagar-te tudo até ao último tostão»... como se o retorno do empréstimo estivesse em causa... É uma espécie de marketing que os chico-espertos usam para nos fazer baixar a guarda e ganhar tempo.
Obviamente, jamais passaria pela cabeça do devedor honesto a necessidade de vir sossegar-nos, visto que a única coisa que lhe está a passar pela cabeça é o que há-de fazer para garantir o cumprimento da sua parte do acordo.

Podem dizer adeus aos 8 mil milhões.

30/01/13

Tirem-me desta Europa decadente!

Venho por este meio solicitar o vosso contributo benemérito numa subscrição destinada a recolher a maquia suficiente para a comprar um bilhete de ida sem volta e arranjar um meio de subsistência numa parte qualquer do mundo que seja tudo menos ocidental – sei lá, Chiapas, Goa, Samoa, seja o que for fora daqui. Por «ocidental» refere-se aqui, por facilidade de expressão, essa zona de apropriação geográfica e cultural que o centrismo europeu e norte-americano costuma referir como sua.