19/07/13

Mandem lá calar esse velho jarreta!

Como se explica que um trafulha incompetente como o sr. Henrique Medina Carreira, que nunca apresentou um único número ou gráfico fidedigno, que não entende absolutamente nada de economia política, que tem tiradas dignas dos arquitectos da eugenia hitleriana, tenha durante anos a fio 50 minutos de antena semanais e dirija um programa em que a entrevistadora e os editores nitidamente não passam de figuras decorativas?

Há várias respostas possíveis. Fiquemo-nos pelo facto de Medina Carreira prestar há anos um belo servicinho à direita mais radical. Este serviço começou com um programa semanal de 50 minutos na SIC-Notícias, iniciado em Novembro de 2009 (logo no início da crise, que coincidência) em parceria com Mário Crespo e intitulado «Plano Inclinado», e continua agora com na TVI-24, na mesma dose semanal letal, sob o nome de «Olhos nos Olhos».

Donde surgiu este pássaro bisnau? Em finais de 1975 Henrique Medina Carreira aproveitou a boleia do golpe militar que pôs fim à movimentação popular – que procurava, por tentativa e erro, encontrar vias alternativas para organizar uma sociedade livre de exploração e de corrupção – para encetar uma carreira de ministro das Finanças ao serviço do PS; negoceia com o FMI um empréstimo no valor de 750 milhões de dólares; feito o serviço, diz-se incompatibilizado com a política económica do PS, lava daí as suas mãos e navega para outras águas turvas: Fundação Oriente, Expo'98, etc. Em 2006 apoia publicamente a candidatura de Aníbal Cavaco Silva à Presidência da República – facto que, se não bastasse já a sua carreira anterior, seria suficiente para o definir politicamente. Por fim, em finais de 2012 vemo-lo embrulhado num processo de investigação (o Caso Monte Branco, cujas provas e resultado final ignoro) classificado por alguns como o maior negócio de sempre de branqueamento de capitais e fugas ao fisco, com ligações internacionais e bancárias abundantes como é de regra – de tudo isso se declara inocente o nosso bom Carreira. Mas o menos que se pode dizer é que este país está cheio de fiscais, reguladores e até directores do banco central que por coincidência todos estavam a olhar para o lado quando se fizeram as maroscas e burlas mais avultadas da nossa história recente.

Seria fastidioso passar em revista todas as mentiras propagandeadas por este sr. em frente das câmaras (só do «Plano Inclinado» foram 42 episódios!). Por isso irei aflorar apenas um exemplo recente, um desses que ele adora apresentar como prova contundente de que a solução final consiste em entregar à morte os nossos idosos e reformados, por … assim o imporem «os factos da vida económica»!

Um trafulha compulsivo

Os gráficos deste trafulha têm geralmente um belo aspecto, com auroras boreais e outros efeitos psicadélicos. Examinemos um dos últimos.


A parte deste gráfico que podemos entender (rácio entre a população activa e os pensionistas) está completamente aldrabada. Na verdade deveria ter o seguinte aspecto (desculpem a falta de auroras boreais):


Como se vê, o rácio em questão varia entre 1,85 e 1,71, mantendo-se razoavelmente estável (nota: o âmbito temporal dos dois gráficos não coincide, apenas porque prefiro jogar com os dados mais seguros que tenho imediatamente à mão).

Depois temos a outra parte do gráfico, que lhe confere um belo artifício de prestidigitação técnica, mas que na realidade não significa nada e não corresponde a nenhum critério científico. O que raio é a «população potencial activa»? Há várias hipóteses, mas nenhuma corresponde aos números apresentados no gráfico do Merdina:

  1. Segundo uma entrada no blog Blasfémias, 2008,
    activos potenciais = activos empregados + desempregados.
  2. Segundo Bouzid Izerrougene (in Revista de Economia Contemporânea, Brasil, 2009)
    activos potenciais = população dos 20 aos 60 anos de idade.
  3. Segundo os critérios metodológicos do Eurostat, da OIT e da AMECO (Annual macro-economic database), fontes onde devemos basear-nos se queremos seguir normas estatísticas internacionais e portanto cientificamente comparáveis entre si,
    «Potentially active refers to the grouping of two categories within the inactive population:
    persons available for the labour market but not seeking work;
    persons seeking work but not immediately available.»
    (ou seja, algo semelhante aos «inactivos disponíveis» que podemos encontrar na base de dados do INE)

Por conseguinte aqueles números e linhas do Merdina não saíram de nenhuma base de dados fiável, mas sim duma cartola.

Entretanto, a questão mais importante é outra. O que é que nos importa realmente conhecer, no que se refere à questão da sustentabilidade da população dependente? – isto é, daquela que não participa na produção monetariamente mensurável, seja por não ter idade para isso, seja por não poder, seja por não querer. O número de pessoas empregadas depende do grau de investimento dos poderes económicos (o capital) e políticos (os governos). Interessa-nos saber, isso sim, quantas pessoas estão disponíveis para produzir riqueza – riqueza essa que pode depois ser redistribuída por todos, incluindo aqueles que não estão em condições de servir à mesa e montar automóveis (por exemplo, as crianças, os doentes e os idosos). Para isso temos de somar os actuais empregados e aqueles que, estando desempregados, se manifestam disponíveis para trabalhar, assim o governo e o capital decidam investir numa política de pleno emprego:


Ups! Afinal parece que a situação é inversa da que o Merdina nos queria impingir! A relação entre o número de pessoas disponíveis para produzir e o número de pessoas dependentes tem vindo a aumentar. Ufa!, que alívio, o velho marreta estava pregar-nos uma partida.

É preciso deixar aqui uma nota: os dados estatísticos que estamos a apresentar não detectam duma forma suficientemente fina as relações que procuramos quantificar – ficaram por contabilizar uma parte dos subempregados, os desencorajados, os falsos pequenos empresários (trabalhadores disfarçados de empresa em nome individual) que já não encontram trabalho, etc. Em suma, o rácio aqui expresso é muito modesto em comparação com a realidade.

Mas há mais. Não nos podemos esquecer de que o grande fiscalista Carreira tem vindo a dizer, umas vezes indirectamente, outras muito directamente (ao ponto de quase provocar uma apoplexia à entrevistadora, ao vivo, em directo e a cores), que não há dinheiro que chegue para alimentar tanto velho; que factos são factos e a única coisa a fazer é deixá-los morrer como cães. Nas palavras do grande fiscalista: «podem chamar-me insensível, mas os factos da economia não se compadecem» (cito de memória). E os factos seriam entre outros, segundo Medina Carreira, que cada vez há mais idosos, cada vez menos gente para trabalhar, cada vez nascem menos crianças, e portanto qualquer dia somos todos uma sociedade de Matusaléns a pastar na serra por já não haver nada para comer nem quem sache na horta.

Vamos lá ver então como evolui a relação entre a população em idade de trabalhar (dos 15 aos 64 anos) e a população dependente:


Ope-lá!, que chatice, lá se esfumou outro mito merdineiro. E reparem que este gráfico não se limita a tomar em conta os idosos e reformados – também fazem parte das contas todos aqueles jovens que, numa sociedade minimamente decente, ainda não estão em idade de serem mandados trabalhar, e por isso têm de ser alimentados, vestidos e cuidados por quem trabalha. Pois bem, mesmo tendo todos esses dependentes em conta, para cada um deles existem hoje aproximadamente duas pessoas disponíveis para o trabalho – há meio século essa relação era apenas de 1,5. Ufa!, que alívio, desta também já nos safámos!, mandem lá calar o jarreta do Medina.

Abatam esse merdina!

Há situações de guerra que nunca chegam a ser declaradas. Pura e simplesmente acordamos um dia e zás! fomos invadidos, violados e chacinados sem aviso prévio. Estamos hoje a viver uma situação desse tipo. Uma guerra de bombas silenciosas.

Em semelhantes situações até o mais convicto pacifista tem direito à legítima defesa. Por isso lanço daqui um apelo: em nome da legítima defesa dos velhos, das crianças, dos doentes, dos precários, dos desempregados, dos estivadores, dos reformados, dos professores, dos médicos, dos empregados de balcão a 400€/mês, dos operadores de centros de atendimento telefónico a 200€/mês, de todos os explorados e ofendidos … o primeiro camionista que se cruze na estrada, ao volante de um atrelado com várias toneladas de peso, com o grande fiscalista tem a obrigação moral de o passar a ferro. E mesmo o staff da TVI-24 deveria meter uma mão na consciência e com a outra despejar uma generosa dose de arsénico no café desse senhor que, recorrendo a toda a sorte de falcatruas e enganos, não se cansa de afirmar que falam mais alto os interesses do mercado (seja lá isso o que for, embora eu desconfie que se trata do interesse de uns quantos banqueiros, magnatas, gestores e fiscalistas) do que os interesses e direitos fundamentais da esmagadora maioria dos seres humanos.

Desde a elaboração e publicação do «Livro Branco da Segurança Social» que Medina Carreira é o campeão dos bancos e seguradoras que pretendem apoderar-se das poupanças dos trabalhadores e impor um sistema de pensões baseado na capitalização individual. Para isso ele agita o fantasma da sustentabilidade da Segurança Social e não tem qualquer pejo em verter perante as câmaras um chorrilho de mentiras e números falsificados. O sistema privado de pensões por capitalização individual (por oposição ao sistema redistributivo e de capitalização colectiva da Segurança Social) é um disparate cujas consequências nefastas já foram demonstradas por diversos autores e pela história – apenas tem motivos para defendê-lo quem pretende obter proveitos privados à custa do alheio. A Segurança Social, pelo contrário, é auto-sustentável e até superavitária, como já foi sobejamente demonstrado por diversos autores, a partir dos próprios dados oficiais.

Medina Carreira é tanto mais perigoso quanto, para ganhar crédito junto dos seus ouvintes, passa a vida a despejar os lugares comuns a qualquer conversa de tasca – do alto da sua arrogância, a tudo e a todos apelida de estúpidos, corruptos e incompetentes. Assim conquista as boas graças do público, que pela sua voz desopila publicamente dos desaforos que vai sofrendo, e com isso os indromina com as mais espantosas mentiras. Feitas as contas finais, muito embora o merdina dê ares de estar a insultar os poderosos, o que ele está de facto a fazer é dar-lhes ainda mais força para espezinharem e extorquírem os fracos.

Abatam-no sem mais delongas.

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