12/09/13

Uma política para as artes? (6)

[continuação da série sobre artes e cultura; ver artigos (1), (2), (3), (4), (5)]

Outra forma de colocar a questão: o risco


Poucas pessoas terão noção do tempo e das experiências fracassadas que uma pequena descoberta terá custado a um investigador científico. O que fica para a história é esse breve momento de sucesso, frequentemente ao cabo duma resma de experiências fracassadas. Mais ainda: muitas descobertas foram originadas por erros cometidos no processo de investigação.

A situação do artista de vanguarda é em tudo semelhante – uma descoberta importante no campo das artes pode custar uma vida inteira de trabalhos; e, por outro lado, um erro na utilização técnica dos pincéis, ou duma câmara, ou dum piano pode dar origem a descobertas inesperadas. No limite, porém, temos de admitir que o artista ou o cientista passem a vida inteira a trabalhar e morram sem chegar a nenhum sucesso digno de nota.

O que há de comum entre ambos é o experimentalismo, a assunção do risco e uma enorme quantidade de trabalho. Assumir o risco, contudo é a única forma de sair do grau zero civilizacional.

O risco e o experimentalismo são uma qualidade distintiva da arte de vanguarda, e isso mesmo a distingue da arte mainstream.

É costume dizer-se que o que caracteriza o investidor (capitalista) é a disponibilidade para assumir riscos. Nada mais contrário à realidade (mais uma vez: não tomemos as excepções por regra). Conheci pessoalmente um candidato a empresário que nos anos 50 teve uma série de ideias inovadoras em Portugal: fez um aviário com pintos, e depois uma «plantação» de caracóis, e assim por diante, sempre com o mesmo resultado: falência – a iniciativa era demasiado inovadora, demasiado precoce na história da evolução social portuguesa. Mas, apesar do entusiasmo que este exemplo possa suscitar, é fácil constatar que 99,99% dos investidores apostam onde de facto não há risco. Aquilo a que eles chamam risco é outra coisa, da qual ninguém está a salvo: um azar. Um azar é uma ocorrência imprevista onde tudo fazia prever o sucesso. Um risco, ao invés, é uma iniciativa que avança de peito aberto para o fracasso, a não ser que tudo corra inesperadamente bem.

O risco e o experimentalismo são parte essencial da arte de vanguarda. Ou, dito doutra forma: o risco e o experimentalismo de hoje podem ser a fórmula de sucesso de amanhã.

Podemos atacar a arte de vanguarda, retirar-lhe as condições de apoio, acossá-la como um animal e impedir a sua expressão – mas nesse caso temos de estar preparados para nunca evoluir para além da pintura rupestre.

Se, pelo contrário, quisermos dar-lhe uma oportunidade, temos de estar preparados para uma coisa pouco acessível aos cobardes: assumirmos também nós um risco, ao apoiarmos a aplicação de recursos públicos no apoio a quem produz a arte de vanguarda – mesmo sabendo que é muito difícil defini-la e identificá-la; mesmo sabendo que talvez estejamos a sustentar alguém que, apesar de trabalhar afanosamente toda a vida, pode jamais conseguir produzir um trabalho de valor assinalável. O problema é que, se não aceitarmos o risco... enfim, já ouviram dizer que «quem não arrisca não petisca»?

Quanto maior for a acumulação de riscos (e portanto de apoios e financiamentos) tanto melhores serão as hipóteses de obtermos bons sucessos. Isto deve-se não só à lei da probabilidade, mas também, ou sobretudo, ao fenómeno do limiar de massa crítica.

[continua no próximo artigo]

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