A quantidade de meios de produção, obras de
arte, monumentos, hospitais, escolas e habitações destruídos pelas
duas guerras mundiais – para não falar já no essencial, que são
as vidas humanas perdidas – foi avassaladora. As imagens dessas
perdas são de tal forma fortes, que ao olharmos para elas o coração
nos dá um solavanco na caixa do peito. A destruição foi
efectuada através de bombardeamentos e outros meios de destruição
maciça; deixou para trás cidades inteiras arrasadas. Como é
sabido, quando a taxa de lucro do capital cai drasticamente, a guerra é o seu remédio
santo – depois das duas grandes guerras a «economia» (leia-se o
lucro privado) entrou em espectacular recuperação.
Mas os tempos mudam, e de que maneira! Para
entendermos o que se passa hoje, teremos de analisar os
acontecimentos à luz das profundas transformações operadas nos
recursos e nos métodos de guerra nas últimas décadas.
Olhando à nossa
volta, vemos que está em curso uma destruição sistemática dos
meios de produção, dos monumentos, das obras de arte, dos
hospitais, das escolas, dos recursos e espaços públicos. Seria
interessante contabilizar o número de monumentos clássicos –
comprados por valor inferior ao dos materiais preciosos e obras de
arte que contêm e transformados em parques de estacionamento,
centros comerciais, centros turísticos, ou simplesmente destruídos – e
compará-lo com o número de destruições produzidas
pela II Grande Guerra no espaço de dois anos. Esta contabilidade
inclui hospitais, centros de saúde, escolas e outros bens aniquilados ou reconvertidos para darem lugar a fontes
de lucro privado. E a tudo isto teríamos ainda de somar
as crianças subnutridas, o aumento da mortalidade infantil, os
idosos que falecem às carradas por falta de rendimentos e assistência, os doentes renais mortos pela implosão dos centros de
hemodiálise, as pessoas que enlouquecem por não resistirem à
violência em curso, as que ficam inválidas por falta de
protecção ao trabalho e respectivas doenças, … enfim, a lista é
inumerável. Creio que o resultado dessas contas seria
surpreendente e nos faria ver com toda a clareza que
estamos hoje em guerra e que esta guerra é tanto ou mais destrutiva
do que a da década de 1940.
A guerra em curso assenta em moldes
inteiramente novos; recorre a formas de destruição maciça que não
nos são familiares – e por isso temos dificuldade em
reconhecê-la como tal. E no entanto é uma guerra que ceifa vidas inocentes, como
qualquer outra. É conduzida por forças internas e externas (na
realidade forças sem pátria, porque o capital não tem pátria,
constitui um mundo à parte do nosso). No plano interno, porém, tem
um estado-maior cuja face visível dá pelo nome de Governo.
Nestas condições de chacina seria de esperar que
a resistência se organizasse. Seria de esperar uma guerrilha, uma
guerra civil, na qual os vários interesses em presença se organizassem
militarmente e combatessem entre si. No entanto, coisa estranha, nada
acontece – o bombardeamento prossegue, agrava-se de dia para dia
com perda intensa de vidas e bens, e nem um só tiro é disparado em
resposta.
A ausência de reacção não pode ser
explicada por motivos cristãos – não se trata de dar
voluntariamente a outra face, mas apenas de não oferecer reacção. Uma parte da inércia encontra explicação no facto de
o bombardeamento ser silencioso e invisível – as bombas caem,
destroem tudo à sua volta, mas o seu estrondo não se faz ouvir, os
seus estilhaços não nos saltam aos olhos; a destruição
assume de início um carácter misterioso. No entanto, ao fim de 5
anos de selvajaria bélica, tudo deveria ter-se tornado claro.
Impõe-se portanto uma pergunta: porque não começa a guerra
civil?
Os novos métodos de guerra e destruição
Uma das fontes de inércia perante as razias neoliberais reside nas condições subjectivas de
formação de algo que de facto não existe: a
resistência organizada. Não vou aqui desenvolver o tema, que tenho
abordado de forma directa ou indirecta noutros artigos.
Outra fonte de inércia reside num factor ainda
obscuro: face aos
métodos e meios radicalmente novos utilizados pelo inimigo da população na guerra em curso,
a resistência tem de inventar
métodos e meios radicalmente novos. Responder à destruição de
palácios do século XVI por esse Portugal fora com bombas e
cocktails molotov é tão disparatado quanto ineficaz; assassinar o
ministro da Educação quando ele vende (destrói) os edifícios das
escolas poderia fazer bem à alma de uns quantos, mas em nada alteraria o nosso estado de
derrota.
É certo que, apesar da sofisticação dos meios
utilizados nesta guerra, é sempre necessário ter de reserva alguns
meios clássicos, como trunfo negocial: um exército de carne e osso, disponível para
ser mobilizado a qualquer instante. A existência desse exército de
reserva, em termos estratégicos, é importante no desenrolar das
hostilidades. Neste aspecto, os supostos (falsos) centros de
resistência organizada (que seriam neste caso os movimentos sociais
e os partidos à esquerda do PS) têm-se comportado de forma absurda, lançando disparatadamente para a rua os seus
exércitos de reserva. Mas ao fazê-lo expõem aquilo que deveriam
esconder: a dimensão ridícula e a fragilidade desses exércitos. Os
estados-maiores dessa pseudo-resistência não possuem meios de
arregimentação nem estratégias convincentes – que parvo
miliciano se prestaria a perder a vida numa guerra sem estratégia?
Comportam-se como aquelas pessoas que, em situação de conflito,
gritam histericamente «agarrem-me, senão eu mato-o», mas na
realidade não estão dispostos a mexer um dedo, não têm forças nem ânimo nem intenção para mexer um dedo, apenas pretendem
causar comoção. E, ao fazê-lo, demonstram a sua ridícula
fragilidade.
A frente de batalha diária, porém, está hoje noutro lugar. É urgente reinventarmos os nossos métodos de
guerrilha, reinventarmos os nossos cocktails molotov. Assim, por exemplo, começou em França no passado 28 de Outubro uma
campanha de produção de ruído nas comunicações: já que os
serviços de segurança do estado e a espionagem internacional vigiam
todas as nossas comunicações, neutralizar o inimigo pode tornar-se
uma actividade lúdica: basta produzir uma quantidade de informação
tão gigantesca, um ruído tal, que os instrumentos
de vigilância fiquem bloqueados. A campanha francesa apela a que
todos nós, nas conversas telefónicas, nas mensagens electrónicas,
introduzamos em todas as frases palavras-chave, de forma a
sobrecarregar o sistema de vigilância. Não custa nada, é
divertido, não acarreta perigo pessoal: «encontramo-nos hoje às 11
no café com o objectivo estratégico de tomar umas bombas»;
«vem daí ter comigo para fazermos um atentado ao pudor»;
«temos de acabar hoje a nossa guerra santa [o trabalho em
curso], senão vamos ter represálias», etc.
Uma vez que todos os passos do
capital, mesmo os mais obscuros e indecifráveis, visam um objecto estratégico único (o lucro), é fácil
encontrarmos centenas de situações em que podemos provar que, numa
determinada frente, o inimigo deveria recuar, pois os custos podem
exceder os benefícios. Se, por exemplo, as fachadas dos bancos e
outros edifícios emblemáticos da actual ofensiva financeira
forem semanalmente bombardeados com ovos ou balões cheios de tinta,
o custo de limpeza das fachadas acabará por adquirir um peso
importante na contabilidade dessas instituições (que, ao contrário
de nós, sabem contar os tostões). Além disso, como sabem os estrategas desde há séculos, os pequenos ataques relâmpago desmoralizam o inimigo e dão ânimo à população resistente. Se todos os cofres de
cobrança de estacionamento de rua forem sistematicamente vandalizados e
inutilizados, devendo ser periodicamente substituídos, o prejuízo
pode tornar-se maior que o lucro resultante da
privatização do espaço público.
Muito mais eficaz e letal, porém, seria atacar o
coração informático do sistema (os bancos, a base de dados das
Finanças, etc.).
Transtornar o sistema informático de um banco, impedi-lo de realizar
operações e transferências financeiras durante 10 ou 20 minutos
por semana, é o equivalente, no cenário de guerra financeira dos
nossos dias, a dizimar vários batalhões, cidades e florestas com um
bombardeamento de napalm. Esta arma, porém, tem um problema: ao contrário do que se
passa na acção de sobrecarga dos sistemas de vigilância, esta iniciativa acarreta
riscos pessoais – implica que os «soldados» com treino para essa
guerrilha possuam uma consciência e um espírito de sacrifício
equivalentes aos dos clássicos bombistas, que tinham de ter a consciência e a coragem
de enfrentar as consequências dos seus actos; implica uma estrutura
clandestina bem organizada e disciplinada, como nos tempos de
resistência à ocupação ou ao fascismo; implica, nos bastidores e
antecedentes de toda a iniciativa, que a população estudantil não
tenha sido transformada numa horda de poltrões e colaboradores do
inimigo.
Se não começarmos a combater
neste terreno, seremos cilindrados sem apelo nem agravo. E se não
construirmos um estado-maior capaz de organizar as nossas tropas com
um sentido estratégico (a construção de uma sociedade nova, livre
de exploradores e agiotas), então o sacrifício daqueles que se
prestem a executar quaisquer manobras de guerrilha será totalmente vão –
estaremos a criar um exército de mártires destinados à derrota
final, e não uma história de heróis anónimos obreiros duma
sociedade mais justa e feliz.
(corrigido em 3-11-2013 e em 4-11-2013)
(corrigido em 3-11-2013 e em 4-11-2013)
2 de Novembro de 2013: Carvalho da Silva afirma que o país precisa de cidadãos que estejam dispostos a sujar as mãos e a levar "porrada" na rua. (não me esqueci do 22 de Março de 2012 e do 24 de Novembro de 2011.)
ResponderEliminarhttp://www.portugalnews.pt/portugal/ex-lder-da-cgtp-diz-que-um-dos-maiores-dramas-do-pas-ter-cavaco-silva-como-pr/
A brincar a brincar: Facebook - os polícias da sombra:
ResponderEliminarhttp://manuelaraujo.org/www/Blogue/Entradas/2013/9/14_Facebook_-_os_policias_da_sombra.html
é só para dar ideias: http://www.leparisien.fr/bretagne/video-bretagne-un-nouveau-portique-ecotaxe-a-terre-03-11-2013-3282413.php
ResponderEliminarmais uma sugestão: pôr o lixo doméstico à porta dos bancos
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