Em primeiro lugar, dizer que o número de
reformados subiu entre 1970 e 2010 de 250 mil para 3,5 milhões
deveria ser motivo de júbilo, e não de alarme. Da mesma forma e no
mesmo espaço de 30 anos,
- a taxa de analfabetos desceu de 25,7 % da população para 5,2 %;
- a mortalidade infantil desceu de 55,5 ‰ para 2,5 ‰ (mas agora está a voltar a subir: 2012 = 3,4 ‰);
- o número de pessoas com ensino secundário subiu de 3,8 % da população para 71,4 %;
- o PIB per capita passou de € 5.612 mil para € 15.414;
etc.
[todos os dados: recolha rápida na base de dados Pordata]
Por outras palavras: o nível médio de miséria,
abandono, falta de bem-estar e falta de escolaridade desceu de forma
considerável ao longo de 30 anos; o rendimento colectivo disponível subiu largamente, o que permite pagar pensões e outros factores de bem-estar. No início da década de Setenta, a maioria das pessoas, ao
entrar na idade em que deixava de ser útil ao patrão, ficava sujeita a difíceis (senão mortais) condições de sobrevivência ou passava a depender duma caridade discricionária – situação
para a qual Medina Carreira quer atirá-las de novo e sem meias
palavras. O número de pessoas que descontava para uma caixa de pensões era muito reduzido e a reforma não era um direito universal (e é isso mesmo que o número de 250 mil pensionistas apresentado por Medina Carreira quer dizer, e nada mais do que isso).
Em segundo lugar, é preciso deixar claro que o
Estado não paga as pensões dos reformados e incapacitados. Quem
paga são os trabalhadores (os actuais e os ex-trabalhadores), que
quotizam uma parte das suas remunerações para os fundos de pensões.
São os fundos de pensões que pagam as reformas; e estes fundos não
fazem parte do Estado – pertencem aos sistemas de solidariedade dos
trabalhadores – e sempre foram suficientes, gerando mesmo um largo saldo positivo que o ex-ministro Vítor Gaspar não se fez rogado em aplicar fora da esfera de interesses dos trabalhadores.
Não é concebível que uma pessoa com o nível de
instrução e informação de Medina Carreira desconheça que os fundos de pensões
não pertencem ao Estado, que não dão défice mas sim superavit e que não é o
Estado quem paga as pensões – este homem é um aldrabão sem pingo
de vergonha na cara.
Por outro lado, infelizmente, os fundos de
quotização dos trabalhadores são geridos pelo Estado ou pelo
patronato. Isto sucede porque, apesar do que está previsto na lei,
os sindicatos abdicaram logo no início da década de 1980 do
controlo das organizações de solidariedade dos trabalhadores – na
verdade foram eles, os sindicatos, os primeiros responsáveis pelo
facto de o público, a pouco e pouco, ir confundindo a Segurança
Social com o aparelho de Estado, e se tornar incapaz de distinguir entre as suas próprias quotizações de
solidariedade e os impostos. Medina Carreira tira partido desta
confusão e do desleixo (é a palavra mais simpática que me ocorre) dos sindicatos, para confundir ainda mais as
ideias da sua audiência.
Um agente com licença para matar
A acção de Medina Carreira na televisão, onde
tem assento permanente desde 2009, não pode ser encarada como um
mero exercício de retórica ou de direito de opinião. Da aldrabice
sistemática dos seus argumentos e dos seus gráficos já falei
bastante noutro
artigo, para o qual vos remeto. A acção deste fiscalista –
que foi o primeiro em Portugal a negociar um acordo com FMI – é
cruel, assassina e duma falsidade sem limites. Não encontramos um
gráfico, um número, uma citação de leis e factos vindos da boca
de Medina Carreira que não seja uma profunda mentira, uma manobra de
má-fé visando condenar à fome e à morte largas camadas da
população portuguesa – e esta condenação não é metafórica, é
real.
Que tipo de jornalista aceita participar nesta farsa?
Medina Carreira apresenta os fundos de pensões
como uma calamidade. Ora as pensões não são uma calamidade,
mas sim o sinal que, ao longo dos últimos 40 anos, fomos progressivamente ascendendo a uma sociedade mais digna e humana. Mas, ao mesmo tempo, sim, é uma calamidade para os bancos,
para as grandes empresas e multinacionais, para o capital em geral,
que vê nos fundos de pensões e da Segurança Social milhões de
euros a que não conseguiu deitar a mão.
Compreende-se que os patrões da TVI forcem a
produção de programas onde se dá assento a aldrabões e assassinos
do gabarito de Medina Carreira – os detentores das cadeias de
televisão comerciais estão estreitamente ligados aos interesses
financeiros que pretendem apropriar-se do dinheiro dos trabalhadores.
Nesses programas vemos o jornalista apresentador desempenhar sempre
um papel decorativo, tendo o máximo cuidado de nunca introduzir o
contraditório. O seu papel é apenas o de, com a sua simples presença e o seu simples estatuto de jornalista, legitimar uma suposta
neutralidade de Medina Carreira.
O facto de alguns jornalistas se prestarem a
esse papel não pode ser passado em branco. Poderão eles dizer que o
fazem para manter o emprego, para alimentar as duas crianças e o cão
que têm lá em casa, para pagar as prestações da casa de campo que
acabaram de comprar, etc. Vale tanto essa justificação como a do
canalizador que em Auschwitz tratava da manutenção das tubagens de
gás que serviam para assassinar milhares de prisioneiros – nenhum
dos dois pode invocar desconhecimento dos factos; nenhum dos dois
pode esquivar-se à acusação de cumplicidade activa e objectiva numa operação
de morticínio em massa.
A cumplicidade de um jornalista nestes actos não
é desculpável, não é atendível, não é admissível, porque um jornalista, por definição, é uma pessoa bem informada destas coisas. Condenar à
miséria e até à morte centenas de milhar de cidadãos em troca de
um prato de lentilhas para duas crianças, um cão e uma casa de campo é
um acto de cinismo execrável.
[foto pescada em: http://europediary.wordpress.com/2011/06/24/the-crematoriums-of-auschwitz-ii-birkenau/]
de economia não entendo, mas é fácil perceber que tens toda a razão. tanto descaramento na boca de quem sabe o que diz é falta de vergonha, pior é que os ditos programas ainda têm que os oiça. p.f.v, reajam não os oiçam. eles que ladrem para quem os entende, será o mínimo que podemos fazer,.
ResponderEliminare como e que sei que os teus gráficos são de confiança?
ResponderEliminarFácil.
Eliminar2 soluções à disposição:
1) confiar;
2) na falta de confiança, estudar.