18/11/14

As barqueiras e o Letes


Se bem entendi ao início as intenções metafóricas do programa «Barca do Inferno», difundido pelo canal televisivo RTP-Informação, propunham-se os autores, à maneira vicentina, construir uma barca onde temas e personagens políticos seriam indagados, medidos, sopesados e avaliados para se saber se caberiam na barca que conduz ao paraíso ou na que aporta ao inferno.



Na versão televisiva, duas barqueiras governam a barca do inferno, outras duas (durante as primeiras edições do programa, apenas uma) governam a do paraíso. A grande distância que vai de Gil Vicente à RTP, porém, torna instáveis estas duas barcas, pois enquanto na versão vicentina ambas se regem pelos mesmos fins (inquirir e sopesar os passageiros, usando para isso as medidas e alqueires do povo), na versão da RTP tudo é pervertido por um enervante vício contemporâneo: o contraditório simultâneo e instantâneo, a torto e a direito. As duas barcas televisivas não colaboram; combatem-se como navios inimigos, num cenário de guerra onde os passageiros, que deveriam ser o foco principal, se tornam mero adereço, e onde não existe tempo para a reflexão. O foco do espectáculo é assim deslocado para as próprias barqueiras, que aceitam o estado de guerra e pelejam entre si com enorme clangor, pondo-se a salvo os presuntivos passageiros.



Está portanto quebrada a metáfora, como se pode comprovar nesta passagem do texto vicentino original [acrescento facilitação para quem não está habituado à linguagem da época]:

02/11/14

Retrato da futura Era Antonina

Durante semanas a fio António Costa atirou à cara de António Seguro esta verdade insofismável: ele, Costa, ao contrário do seu opositor, Seguro, tem anos de provas dadas no exercício do poder, com vasta obra patente na cidade de Lisboa. Esta chamada de atenção, além de justa, habilita os portugueses a saberem com o que hão-de contar, logo que façam o que muito provavelmente farão: colocar António Costa no topo da hierarquia do poder central, administrativo e executivo do país.

A probabilidade de António Costa chegar ao topo é tão confortável e as provas dadas pelo autarca são tão inequívocas, que podemos com moderado risco imaginar o nosso futuro nos seus mais ínfimos pormenores. Para isso não são necessárias premonições nem bolas de cristal – basta um simples exercício de transposição da sua obra em Lisboa para o país inteiro, e zás, eis-nos perante uma imagem bem definida do porvir.