05/05/15

O militante fetichista

Há militantes que são chatos profissionais, uma espécie de variantes das testemunhas de Jeová que ao domingo, nas nossas manhãs de justo descanso semanal, costumavam vir desassossegar-nos dos lençóis.

O que é um chato, afinal? É um doente mental, uma vítima das obsessões; uma pessoa sujeita a compulsões incontroláveis e que, faça sol ou faça chuva, seja festa ou velório, nos vem maçar com argumentos e convicções despropositadas e recorrentes.

O militante chato é um fetichista.


Tal como o jogador viciado, ou o especulador financeiro, o militante chato desistiu das pessoas: substituiu-as por um objecto (o fetiche).

O objecto (fetiche) passa a ocupar o lugar da humanidade inteira, embora o próprio doente quase nunca se aperceba disso.

No caso do jogador viciado, o amor ao convívio com os seus semelhantes, normalmente exercido através de um ritual de perícia com regras estritas (chamado jogo), é substituído pelo amor a um objecto instrumental (slot machine, cartas, roleta, etc.).


No caso do especulador financeiro (e do capitalista em geral), o amor ao exercício da troca útil e vivencial entre pessoas é substituído pelo objecto que simboliza essa troca (o dinheiro).

No caso do fetichista sexual doente, o amor à brincadeira com o Outro é substituído pelo amor aos objectos instrumentais dessa brincadeira, e que se lixe o Outro.

No caso do militante chato, o amor à comunhão cívica com o Outro é substituído pelo amor a consignas, propostas, bandeiras e outros emblemas (fetiches) que simbolizavam essa interacção, e que se lixe a acção cívica fraterna.

Tal como atravessamos a rua para não termos de nos cruzar com o crava chato (aquele que crava por vício, não por necessidade), o doente da bola, o doente de amores, o tipo que conta há 20 anos as mesmas anedotas, a tipa que fala convulsiva e ininterruptamente, a miúda que nos arrasta sempre para o centro comercial – assim somos obrigados a torcer o rumo, para fugir ao militante que não perderá a oportunidade de nos moer o juízo com o último abaixo-assinado em curso ou o mais recente rol de desgraças políticas e sociais, ainda que esteja perfeitamente ciente de que nada disso nos interessa naquele instante.

Face ao fetichista doente, a nossa pessoa e o nosso interesse para nada contam, o que conta é o seu próprio interesse centrado num determinado objecto.

E assim a acção política deixa de ser uma coisa do interesse geral e passa a ser uma doença privada. Como acontece em todas as doenças, este tipo de fetichismo doentio torna-se um peso para a comunidade que o circunda.

O militante chato é, por definição, um fetichista mal-são, um doente mental sem consciência de o ser.

Consciente ou não, ele transpõe o limiar estreito da chatice para entrar no domínio do assédio, recorrendo com frequência à táctica da exaustão – não podendo vencer-nos pela convicção, tenta vencer-nos pelo cansaço – não lhe passando pela cabeça fazer pontes. Este fetichismo não admite pontes, porque o seu fetiche já não é caminho nem instrumento nem símbolo – tornou-se a meta final.

O fetichista da política é, infelizmente, um amante do poder: tem de vencer-nos, de submeter-nos à magia do seu fetiche, e enquanto não conseguir fazê-lo não consegue conter-se, tem de insistir; afoga-nos com a sua incontinência.

Em vez de procurar o consenso possível na circunstância, o militante fetichista repete até à náusea as mesmas propostas e argumentos sucessivamente derrotados; não faz a mais pequena ideia do que seja a cortesia, a sedução ou o bom gosto.


Não devia, por isso, ser tratado com a cortesia e condescendência que as pessoas de bem reservam a todo o ser vivente, seja ele qual for. Há que padecê-lo, é certo. Mas por vezes apetece pôr-lhe fim e, por fim, gozar a vida descansado.

1 comentário:

  1. oi, eu vi algums do seus coments sobre a hipocresia vc fala muito bem espanhol eu sou espanhol y falo bastante portugues, e muito certo cara a hipocresia da gente a maoria da gente e tao estupida

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