08/10/15

O Aníbal chibou-se


Desde há vários dias, começando antes da data das eleições para a Assembleia da República (4-10-2015), o Presidente da República adquiriu uma certa loquacidade, produzindo várias declarações públicas em que se chibou de secretas intenções – suas e dos poderes públicos e privados internacionais.


O primeiro exemplo do chibanço presidencial ocorreu ainda antes do período de reflexão que antecede o acto eleitoral, ao dizer com toda a clareza que já sabia exactamente o que faria no dia seguinte às eleições; mas, acrescentou, não dizia o quê. Passemos por alto o carácter preocupantemente gagá desta declaração, feita numa toada de «sei exactamente o que vou fazer, tralalá-lá, mas não digo, nha-nha-nhã». O Presidente não estava obviamente a referir-se àquilo que toda a gente sabe que ele tem de fazer logo a seguir ao acto eleitoral:

Constituição – Artigo 187.º [Formação do Governo] – 1. O Primeiro-Ministro é nomeado pelo Presidente da República, ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais.

Sem espinhas. Se o Presidente obriga uma equipa de televisão a deslocar-se ao Palácio de Belém para entoar a sua cantilena, isso apenas pode querer dizer que optou por um rumo diferente do determinado na Constituição e que está-se marimbando para o resultado eleitoral. A partir do momento em que anuncia que já tomou uma decisão, Cavaco Silva não precisaria de explicar o teor da decisão, nha-nha-nhã, pois é do conhecimento público o rumo que ele toma quando decide obedecer à sua real gana e não à lei.

Na véspera das eleições, volta a falar, para dizer banalidades: «não são admissíveis soluções governativas construídas à margem do Parlamento, dos resultados eleitorais e das forças partidárias». A que propósito viria tão descabido esclarecimento? Hmm... evidentemente o Presidente preparava-se para fazer algo «à margem do Parlamento, dos resultados eleitorais e das forças partidárias».

Concluídas as eleições, aconteceu exactamente aquilo que nós sabíamos que ele faria, e que deixou entrever, embora não quisesse dizer, nah-nha-nhã: chamou à sua majestática presença Pedro Passos Coelho, para acertar agulhas quanto à formação de um governo «estável». Recordemos que os votos ainda não estavam todos contados, que o Presidente não consultou os restantes partidos (como obriga a Constituição), que os resultados eleitorais ainda não foram consolidados pela Comissão Nacional de Eleições nem publicados pelo órgão oficial do Estado, embora os resultados já apurados permitam avaliar que a «estabilidade» de um governo liderado por Passos Coelho não vale um tostão furado, se a oposição assim entender.

Mas o desvario presidencial não ficaria por aqui. A seguir o Presidente faz uma declaração completamente estapafúrdia (do ponto de vista institucional, entenda-se), dando a entender que governos de esquerda ou mesmo quaisquer outras iniciativas de esquerda só poderão passar por cima do seu cadáver. O Presidente anuncia a extradição, a 10 mil quilómetros da governação e da legislação promulgada, de todos aqueles que possam ter a veleidade de levantar um dedo mindinho contra: 1) a perda de soberania dos estados-membros da UE, sob qualquer forma; 2) os acordos comerciais, militares e diplomáticos transatlânticos, incluindo sobretudo a NATO; 3) o reembolso dos presentes e futuros empréstimos que oneram as finanças públicas, sejam eles legítimos ou não.

Em matéria de política internacional o Presidente está muito mais a par dos mexericos do que o comum dos mortais. Está na posse de segredos que nem nos passam pela cabeça. Felizmente chibou-se, dando a entender que:

1) a adopção europeia dos acordos comerciais do TTIP, TAFTA, etc., está prestes a ocorrer e é crucial para os interesses envolvidos que o Governo português seja submisso e não crie qualquer problema à adopção desses acordos;
2) as famosas manobras da NATO previstas para daqui a algumas semanas na zona mediterrânica – mobilizando um volume de armamento e tropas nunca visto desde há várias décadas – trazem água no bico; graças ao chibanço presidencial, não é preciso ser adivinho para desconfiar que essa água vai ser despejada com estrondo para as bandas do Próximo Oriente, passando talvez mesmo pelo Bósforo e por terras do Leste europeu;
3) existe uma forte possibilidade de as instituições financeiras privadas estarem prestes a ir outra vez por água abaixo, a começar pelos restos mortais do grupo BES, e a necessitarem desesperadamente de ser salvas à custa de novos empréstimos públicos.

Como refere um comentário de Joana Lopes, «Cavaco Silva riscou do mapa da Assembleia da República 36 deputados – os do BE e os do PCP – e deitou assim para o seu caixote do lixo privado os votos de 994.757 eleitores». Bem, isto não é propriamente novidade; todos sabemos que para Cavaco Silva aquela gente não representa os respectivos eleitores, mas sim um enorme incómodo. O que é novidade é o facto de o staff da Presidência da República ter perdido o controle do velho gagá, deixando-o vir a público descair-se com tais prenúncios. Já estou a ver os dignitários das reuniões internacionais a bichanarem entre si: cala-te, que vem aí o chibo.

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