22/03/18

Pedro Passos Coelho enviado para a reserva natural do ISCSP

Tudo o que de importante havia a dizer sobre a oferta duma cátedra a Passos Coelho já foi dito – o oportunismo, o carreirismo, a trafulhice administrativa, o compadrio elitista e partidário; enfim tudo foi já suficientemente esmiuçado. E se um desses professores que há décadas aguardam em vão o acesso à cátedra, em desespero de causa e ao ver-se ultrapassado por um simples licenciado, abraçasse o terrorismo como solução de todos os seus males, poderia contar com a minha compreensão, ainda que não com a minha simpatia. Compreende-se também a indignação dos 28 professores que assinaram uma petição pública, argumentando que «A atribuição do grau de catedrático a Pedro Passos Coelho, mesmo sem cadeira designada, constitui um atropelo flagrante ao estatuto da carreira docente universitária em Portugal» (ver aqui e aqui). Contudo há um aspecto contextual que não deve ser ignorado: não estamos a falar duma escola universitária qualquer, trata-se do ISCSP – um facto que torna a cátedra justificável, como passarei a explicar.

O ISCSP é um caso à parte, não é um instituto académico «normal». É uma espécie de reserva natural protegida onde se alberga uma larga variedade de espécies fascistas e fascistoides. Depois de passar por um período em que foi morto e enterrado pelo «período de grande turbulência» revolucionária (cito o auto-historial da instituição) de 1974-1975, o ISCSP «ressurgiu plenamente» (ibidem) qual zombie, no dealbar da era neoliberal (1980), orientado pelo seu antigo reitor Adriano Moreira – ex-ministro do Ultramar, reitor da Escola Superior Colonial (actual ISCSP), co-fundador e ex-presidente do CDS.
 
A trafulhice científica fascistoide e a desonestidade intelectual do ISCSP ficam bem ilustradas em dois factos exemplares:
 
O primeiro diz respeito a uma cadeira História do Pensamento Social (I e II, salvo erro) que havia no ISCSP na década de 1980. O catedrático responsável (cujo nome não recordo) interrompia a história do pensamento social em meados do século XIX, isto é, no preciso momento em que se pode começar a falar de pensamento social e de ciências sociais no sentido moderno e pleno da expressão. Inquirido em privado sobre essa estranha opção, confessou que desta forma evitava ter de falar em Karl Marx e em todo o pensamento social que lhe sucedeu; argumentava que, se falasse da história do pensamento social pós-1860 omitindo Marx, isso não seria honesto (!), por isso dava por finda a História nesse ponto.
 
O segundo facto diz respeito a um aluno que, de forma incauta e inocente, se inscreveu no curso de Comunicação Social, só demasiado tarde se apercebendo do carácter fascista daquela escola. Por lá andou cerca de um ano, sofrendo a presença dos colegas tipicamente boas-famílias-provinciano-pedantes do Curso de Relações Internacionais. Por fim, num dia diluviano, entrou na escola de capa alentejana e chapéu de feltro de copa redonda e aba larga; por coincidência cruzou-se com Adriano Moreira nos corredores e o reitor, obrigando-o a manter uma distância respeitosa nos monumentais corredores do Palácio Burnay, admoestou-o nestes termos sucintos: «O sr. não pode voltar a entrar aqui nessa figura» (o termo «figura» dispensava-o de referir expressamente as possíveis conotações políticas, ainda que forçadas, da vestimenta). Foi remédio santo: o meu amigo nunca mais voltou a lá meter os pés, compreendendo finalmente que estava fora do seu ambiente natural.
 
Criar uma cátedra sem objecto nem nome para Passos Coelho – uma espécie de cheque em branco – numa escola com profundas tradições colonialistas e fascistas faz todo o sentido. É como tirar um animal raro do suplício da jaula e entregá-lo ao seu ambiente natural, numa reserva protegida. Ainda para mais, trata-se de um animal de carreira, não pode ser pura e simplesmente largado no mercado de trabalho, como um cachorro abandonado – seria o mesmo que condená-lo à morte, uma desumanidade abominável. Por outro lado, atendendo à ferocidade e perigosidade exacerbadas do bicho, onde queriam vocês que o metessem? Na ONU? É que a pobre alimária nem na Goldman Sachs encaixa, por falta de qualidades e atributos.
 
Assim, no ISCSP, fica muito bem. Aí formará com natural desenvoltura a sua descendência, aí estará entre pares, bem protegido e isolado. É para isso que servem as reservas naturais como o ISCSP.

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