Este é um dicionário do charme político, em
vias de construção lenta e por fases.
Economia
Etimologia
Os gregos chamavam «oikos» à casa, incluindo
todo o seu conteúdo e administração; chamavam ao administrador
desse conjunto de coisas «nemó». Formou-se assim a palavra
«okomos», que designa a administração da casa. A palavra «nomos»
designava o acto de contar, ou atribuir, ou distribuir. O sufixo
«-ia» indica a qualidade duma coisa. Portanto «economia» designa
originalmente as funções de contabilidade e gestão da casa, e
circunscreve um âmbito pessoal e patrimonial. Como todas as raízes,
esta contém em si a génese da verdade das coisas designadas. A raiz
permanece; sem ela a palavra não poderia sobreviver. Mas no decorrer
do tempo, das culturas e da História o termo foi desabrochando em
novos sentidos. Em 1615, em pleno absolutismo monárquico, Antonio de
Montcheretien propôs que, sendo o conceito de economia aplicável à
administração do Estado (a casa real), deveria introduzir-se a
ideia de «economia política». Mais tarde William Petty publica a
Aritmética Política; e por
fim Adam Smith publica em 1776 A Riqueza das Nações,
trazendo definitivamente o conceito para o âmbito da coisa pública;
não por acaso, a Inglaterra adiantava-se então na senda
industrial e capitalista. O nome de relevo que geralmente é indicado
a seguir é o de Alfred Marshall, que em 1890 publica os Princípios
de Economia. O nome que
geralmente fica ocultado
é o de Karl Marx, que dedica
uma vida inteira a reconduzir o estudo da economia à categoria de
ciência e por volta de 1867
publica o Livro I de O Capital.
Marx torna
clara a associação dos
modelos económicos e de
produção (ou mais exactamente os modelos de apropriação e gestão
dos meios de produção) aos factores
determinantes (de base) que estruturam uma sociedade de
alto a baixo. De
facto, no que respeita ao presente artigo, a
primeira coisa a assinalarmos na
versão moderna da
expressão «economia»
é a sua adequação à fase actual do modo de produção
capitalista.
Uso actual
Com o termo «economia» sucedeu algo semelhante
ao termo «mercados» – a memória ancestral foi aculturada e
obliterada para gerar práticas e sociedades de sinal contrário às
tradicionais.
Para os meus avós «economia» designava sempre:
a poupança, por vezes até ao extremo da frugalidade; a adopção
de meios minimalistas para obtenção de resultados maximizados; a
arte de gerir e fazer render os recursos à disposição (também
chamada economato) no espaço de tempo necessário à reprodução
desses recursos (fazer render o trigo até à colheita seguinte,
etc.); a adopção e invenção de técnicas capazes de emprestarem
durabilidade aos utensílios necessários à vida diária e à
reprodução dos bens de consumo indispensáveis; a reserva de
recursos monetários e outros, tendo em vista uma aflição futura.
Hoje, a «economia» designa todo um sistema que
aponta exactamente no sentido oposto: produção e consumo máximos,
sem olhar aos seus tempos de reprodução nem a garantias de
manutenção dos recursos (a muito badalada «sustentabilidade»);
programação da sua obsolescência; invenção de técnicas de
consumo e produção rápida; substituição da poupança pelo
crédito; investimento das poupanças em aplicações sem garantia
futura; etc.
Por outras palavras: a «economia» designava um
conjunto de práticas intrinsecamente pessoais. Esta intimidade
estava muito ligada a um modo de produção pré-capitalista – o
detentor duma parcela de terra e duma casa, ou de uma oficina de
marroquinaria, tinha de saber geri-las, e isso era um problema seu,
pessoal e familiar. Com arte e sabedoria, o indivíduo seria capaz de
dominar os recursos à sua disposição (afora as forças
incontroláveis da natureza) para obter o máximo rendimento possível
e garantir a sobrevivência. Actualmente a «economia» designa
exactamente o oposto: um conjunto de mecanismos e fenómenos tão
impossíveis de dominar pela mão de cada indivíduo como indomáveis
eram outrora todas as forças da natureza. A economia tornou-se
impessoal, fora do alcance, do entendimento e da arte do cidadão
médio – ele tem de sujeitar-se a fórmulas de sobrevivência
económica impostas de fora, apenas lhe restando a escolha aleatória
das marcas comerciais do produto ou serviço em questão. Esta
subversão de 180º no conceito de «economia», passando do pessoal
ao impessoal, do concreto ao abstracto, corresponde claramente à
passagem final duma sociedade pré-capitalista para uma sociedade
capitalista na sua forma acabada, isto é: não foi apenas o uso e
detenção da terra, da casa e dos meios de produção (fossem eles
alfaias ou a bancada de marceneiro) que foram subtraídos à posse e
ao controle dos nossos avós – o processo de proletarização
retirou-lhes o domínio de toda a economia pessoal, expropriando a
própria «ideia de economia» em benefício dos detentores de todos
os outros meios e técnicas de produção. E, tal como o dinheiro se
tornou digital e impalpável, uma espécie de éter que faz mover o
mecanismo social, assim também a ideia de economia se tornou etérea,
impossível de definir com precisão, eminentemente divina, porque
todo-poderosa e contrária ao livre arbítrio.
Onde toda a economia se fazia em nome do interesse
pessoal ou familiar, sem rebuços nem disfarces, toda a economia
passa a fazer-se... em nome da economia! Este carácter claramente
divino – pois os deuses são as únicas entidades tautológicas em
condições de remeterem inteiramente para si mesmas – da economia
moderna é o de um ente que tem tanto de inalcançável e etéreo,
como de desapiedado, inflexível e insondável nos seus desígnios.
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