08/11/18

Como grassa a podridão, ó academia


Exponho aqui um trabalho de doutoramento em curso; dispensa comentários e é sustentado por um inquérito que fala não só por si, mas também pelo compadrio, pelo favoritismo, pelo saneamento, pelo processo intenso de privatização dentro do sistema de ensino superior, com prejuízo grave para a qualidade do trabalho científico, e que foi encaminhado pelo centro de investigação ICNOVA, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, para os endereços constantes na sua base de dados.
 
O banco promovido pelo referido inquérito, que transcrevo abaixo, tem um balcão logo à entrada da universidade.

Como único comentário, faço notar que se trata de um inquérito comercial promovido a inquérito científico; cumpre os requisitos necessários para funcionar como um mantra publicitário que condiciona quem o ler de cabo a rabo.
 
Declaro que tudo quanto transcrevo abaixo, por mais espantoso que vos pareça, é verdadeiro e não foi inventado por mim, como se pode comprovar acedendo ao inquérito on-line (consultado em 8/11/2018).

07/11/18

Máquinas humanizadas e humanos maquinais

da série: Filosofias de alcova e outras bestialidades

 
Está bestialmente na moda fazer filmes e artigos sobre a humanização das máquinas digitais, em particular os computadores. Durante algum tempo este tema pareceu-me justo, até que um dia, estava eu a dar uma bela trancada no meu namorado, veio-me à ideia, vá-se lá saber porquê, que se calhar as pessoas que criam esses programas e artigos estão, por portas travessas, a induzir os humanos a serem mais maquinais. Enquanto batia uma soneca à ilharga do meu parceiro, meti-me a pensar que a ideia de tornar um instrumento – seja ele um computador, um microondas ou um scanner – mais humano é um absurdo.

19/10/18

O estupro do debate político



O último Prós e Contras, de 15-10-2018, teve como mote o movimento #MeToo. Acessoriamente deu-nos uma ideia da dimensão da decadência do debate político.
Para quem não conhece: o Prós e Contras é um programa de debates emitido semanalmente na RTP1, apresentado por Fátima Campos Ferreira e animado por um painel de 6 convidados não residentes que dão as suas opiniões sobre um tema proposto e que às vezes acabam a ofender-se uns aos outros; tem uma plateia de estúdio que também participa no debate; e usa mecanismos telefónicos para pedir opinião aos telespectadores.
 
O programa começou mal, ao lançar o seguinte mote: «O movimento Mee Too contribui para a igualdade entre homens e mulheres?». A pergunta enviesou a discussão logo à partida. Perguntar se uma coisa, qualquer coisa, contribui para igualdade entre homens e mulheres é uma indagação que tem sempre lugar, pela simples razão de que praticamente tudo na nossa sociedade é atravessado pelas desigualdades de género. Estas desigualdades têm milhentas facetas – físicas, sexuais, laborais, culturais, … –, tendo algumas delas uma componente essencial: a violência. A multiplicidade destes comportamentos sociais justifica o recurso a múltiplas frentes e instrumentos de luta para acabar com eles
  
Quanto ao #MeToo, é um movimento que milita contra a violência sexual e o assédio sexual, usando como arma de combate a denúncia e o julgamento em praça pública. Estávamos portanto perante um tema invulgarmente claro e preciso.

31/07/18

Affaire Robles (2)

 

Ainda mal passaram 48 horas sobre a minha última crónica e já me sinto compelido a voltar ao assunto. As razões para este retorno prendem-se com as manobras políticas em curso, nas quais, na minha opinião, Robles, agora ex-vereador da CML, não passa de um peão. No essencial:
  1. Parece existir uma manobra política para descredibilizar do BE e reatar o namoro PS-PSD.
  2. A mira dos ataques parece estar a deslocar-se de Robles para os movimentos sociais que lutam pelo direito à habitação e à cidade, contra a mercantilização da habitação e a especulação imobiliária desbragada.

30/07/18

Moços de recados dos deuses menores marram num carvalhal


A medium-novela do Robles ultrapassou todos os limites do razoável. Pode dizer-se que o falatório à volta do Robles se resume nisto: a mesquinhez, a malvadez, o despudor e a hipocrisia juntaram os trapinhos e viveram felizes para sempre, num belo ménage à quatre. Ora, quando estas quatro criaturas atingem tão elevado grau de intimidade, daí em diante já nenhuma conclusão racional é possível. Passo a explicar.

26/03/18

Como mulher ou com as mulheres?


 
Quanto mais frágil é o movimento social, o projecto político e a mobilização das populações em torno de um tema social, tanto maior o chinfrim, a zaragata tertuliana, o choque entre grupelhos e pessoas, por dá-cá-aquela-palha. Esta é uma regra segura para auscultar a saúde dos movimentos sociais.
 
Há dias assistimos a uma dessas chinelices: um enorme chinfrim nalgumas páginas de internet em torno duma «Oficina de Urbanismo Feminista» organizada por Mulheres na Arquitectura e anunciada assim: «As cidades, os bairros, as ruas são os próprios campos de trabalho, reflexão e proposição, também campos de batalha» e assim: «oficina destinada a pessoas que se identificam como mulheres». Como estamos na era do Facebook, é difícil saber se o que lemos representa mesmo o pensamento das autoras ou se resulta de desleixo ou inépcia na escrita. Por mim, parto do princípio que, ao escreverem «como mulheres», as autoras pretendem significar «com as mulheres» ou «com as causas das mulheres», visto que doutra forma se geram possíveis conotações sexistas e perpassa como que o apelo a um modelo passadista de mulher – ou, mais simplesmente: a um modelo identitário qualquer.
 
Não me estranha que alguém organize um convívio, uma reunião, um debate ou um seminário estritamente reservados a clientes habituais. Se os bares fazem isso, se os partidos fazem isso, se as ordens profissionais fazem isso, se o governo faz isso (a diplomacia secreta é uma instituição consagrada e tacitamente aceite pelos eleitores), por que carga d'água não poderiam fazê-lo as arquitectas feministas?

22/03/18

Pedro Passos Coelho enviado para a reserva natural do ISCSP

Tudo o que de importante havia a dizer sobre a oferta duma cátedra a Passos Coelho já foi dito – o oportunismo, o carreirismo, a trafulhice administrativa, o compadrio elitista e partidário; enfim tudo foi já suficientemente esmiuçado. E se um desses professores que há décadas aguardam em vão o acesso à cátedra, em desespero de causa e ao ver-se ultrapassado por um simples licenciado, abraçasse o terrorismo como solução de todos os seus males, poderia contar com a minha compreensão, ainda que não com a minha simpatia. Compreende-se também a indignação dos 28 professores que assinaram uma petição pública, argumentando que «A atribuição do grau de catedrático a Pedro Passos Coelho, mesmo sem cadeira designada, constitui um atropelo flagrante ao estatuto da carreira docente universitária em Portugal» (ver aqui e aqui). Contudo há um aspecto contextual que não deve ser ignorado: não estamos a falar duma escola universitária qualquer, trata-se do ISCSP – um facto que torna a cátedra justificável, como passarei a explicar.

05/03/18

Novo anedotário neoliberal (3) – Inovação tecnológica, trabalho e natureza

(Pat Stacy, técnicas mistas sobre tela, s/d)

Embora a questão da relação entre a ciência e a produção seja discutida há pelo menos dois séculos, ela é-nos apresentada hoje como uma novidade emergente. Já falei aqui sobre este tema, do qual acabei por extrair duas conclusões: 1) quanto mais poderosa a tecnologia, tanto maior o poder de quem controla os meios de produção; 2) este aumento de poder justifica o reforço da protecção dos assalariados e a aplicação, por parte destes, de contra-medidas. Pretendo agora falar-vos da relação entre tecnologia, forças produtivas e natureza.

18/02/18

O crime compensa

Limito-me a constatar factos: o crime compensa. Não falo do pequeno crime do carteirista, do agressor, do frango roubado no supermercado – esse pode compensar ou não, consoante os caprichos do acaso. O que compensa segura e impunemente é o crime em larga escala, aquele que rende milhões de dólares, que afecta a vida de milhões de pessoas, que apenas pode ser praticado graças a uma maquinaria complexa que envolve aparelhos de Estado, gabinetes de advogados, equipas de marketing, … 
 
Compensa o assassínio em massa por envenenamento: o dos químicos lançados no pão e em centenas de outros alimentos da dieta básica; o da água engarrafada em plástico; o dos refrigerantes que transformam o corpo num campo de batalha química e biológica. Compensa com lucros de milhões de euros e beneficia de apoios estatais. É um crime sádico, porque morrer de cancro é um martírio atroz que se arrasta durante meses, terminando num sofrimento irremediável. É um crime consciente e calculado, porque ninguém, nos dias de hoje, pode dizer: «oh, desculpem lá qualquer coisinha, eu não sabia».
 
O assassínio em massa não se limita a envenenar os cidadãos. É acompanhado do roubo dos bens públicos, porque a invalidez, a doença e a morte pesam enormemente sobre o Sistema Nacional de Saúde (SNS). Quando umas quantas empresas produtoras de químicos nocivos levam para casa lucros astronómicos, não é só o consumidor individual que paga os lucros do criminoso – todos os contribuintes estão a pagar os custos de saúde pública daí resultantes. O mal causado pelas empresas assassinas, ainda por cima, é desnecessário; não encontra uma única justificação – durante séculos foi possível fazer o comércio de produtos frescos ou conservados sem adição de químicos letais. O único motor para o uso de venenos nos alimentos e no ambiente é a ganância.

17/02/18

Polícia moral on-line

Pessoalmente não sou frequentador do Facebook. Em contrapartida participo em rodas de amigos que, por sua vez, são frequentadores do Facebook. Por essa via inteirei-me de várias polémicas que têm circulado nas redes sociais a propósito da vaga de censura puritana que grassa por aí.

14/02/18

Novo anedotário neoliberal (2)

todos os dias em horário nobre, num televisor perto de si


Este artigo continua uma série onde já tratei do problema da automação, modernização e robotização do trabalho, no quadro da crítica à campanha neoliberal que pretende justificar o desemprego massivo e a precarização do trabalho com uma suposta transformação radical da sociedade e do processo produtivo. Abordo agora outro aspecto dessa campanha: a concorrência no mercado internacional de trabalho e a «flexibilização» das leis laborais.1

13/02/18

Novo anedotário neoliberal (1)

todos os dias em horário nobre, num televisor perto de si


Está em curso uma nova campanha que visa demonstrar a necessidade de reduzir os direitos de quem trabalha e emagrecer (ou «flexibilizar», como se diz por aí) a legislação laboral. Os temas centrais desta campanha são: 1) a automação, modernização e robotização do trabalho; 2) a concorrência no mercado internacional. Não é certamente por acaso que os noticiários, debates televisivos e tribunas de opinião, congressos, encontros mundiais, conferências, insistem obsessivamente em trazer à baila, a propósito de tudo e de nada, esses temas. Trata-se obviamente de uma campanha bem orquestrada, com ramificações jornalísticas, académicas e políticas. O seu objectivo é justificar a precarização do trabalho e desmantelar as protecções e os direitos dos trabalhadores.
 
Abordarei os dois temas em vários artigos, começando pela robotização.

06/02/18

Caquexia, homeostasia e damásia


Quantos me conhecem de muito perto sabem da minha repugnância – vá, digamos, da minha desconfiança – pela filosofia em geral. Esta atitude é tão vincada desde a minha juventude que, ao deparar-me com a disciplina de filosofia na escola, sem a qual não poderia progredir nos estudos, decidi abandoná-los de vez – antes a ignorância que a cadeira de Filosofia, tal foi o meu grito. Esta teima tem um senão: como quase nunca tive pachorra para sofrer até ao fim esses marcos do pensamento ocidental (e bem assim os do oriental), não me encontro em condições de fazer uma crítica sistemática às respectivas obras. Aliás não creio que ela vos faça falta.
  
Em todo o caso sou capaz de vos apontar muito sinteticamente o busílis da questão, do meu ponto de vista: de modo geral as obras filosóficas consistem em má poesia; têm quase tudo da poesia, em quase tudo são poesia, excepto no que diz respeito à qualidade literária ou poética e ao elevado discernimento inerente à boa poesia. Em suma, na sua esmagadora maioria os filósofos consagrados são maus poetas que, por vergonha, se mascararam de mestres da lógica; mas que também nisso não são grande espingarda.

11/01/18

Considerações sobre a inteligência artificial

Está na berra falar de inteligência artificial e até num paraíso do futuro onde as máquinas inteligentes tratariam da nossa vidinha, podendo nós simplesmente repousar à sombra da bananeira e suspender o trabalho esgotante da nossa própria inteligência. Deixo aqui alguns reparos a esse propósito, juntamente com uma homenagem final a Isaac Asimov.
 
Comecemos por umas quantas pérolas de tautologia colhidas na Wikipedia: