31/07/18

Affaire Robles (2)

 

Ainda mal passaram 48 horas sobre a minha última crónica e já me sinto compelido a voltar ao assunto. As razões para este retorno prendem-se com as manobras políticas em curso, nas quais, na minha opinião, Robles, agora ex-vereador da CML, não passa de um peão. No essencial:
  1. Parece existir uma manobra política para descredibilizar do BE e reatar o namoro PS-PSD.
  2. A mira dos ataques parece estar a deslocar-se de Robles para os movimentos sociais que lutam pelo direito à habitação e à cidade, contra a mercantilização da habitação e a especulação imobiliária desbragada.


1. As manobras de namoro político entre o PS e o PSD

A comunicação social dominante e as redes sociais deram um destaque absolutamente desproporcionado ao caso Robles. A CML (Câmara Municipal de Lisboa), a AR (Assembleia da República), o Governo e a Presidência estão repletas de casos de corrupção e conflitos de interesse bem mais graves que o de Robles – e no entanto não vemos a totalidade dos principais periódicos dedicarem as suas primeiras páginas ao assunto, como fazem com Robles, nem lemos milhares de comentários por dia nas redes sociais a mandar abaixo os tubarões instalados nos diversos níveis do poder.

Nesta tragicomédia com honras de primeira página, o gato escondido por detrás das cortinas dos bastidores é, creio eu, a vontade de viabilizar e reatar o namoro entre o PS e o PSD. Na verdade, eu não saberia dizer se a iniciativa de lançar esta campanha à volta de Robles partiu da direita ou … do próprio PS.

2. O ataque aos movimentos socais

Curiosamente, a posição mais correcta dentro do BE acabou por vir do próprio Robles, que se demitiu com o justíssimo argumento de que deixou de ter condições políticas para exercer o seu cargo de vereador, pelas mesmíssimas razões que apontei no meu artigo anterior. A lisura desta saída devia ter posto ponto final ao falatório, mas afinal funcionou como gasolina atirada à fogueira. Visto o fogo mais de perto, julgo podermos deduzir que ele não se extingue porque um dos alvos principais da campanha (senão o principal) ainda não foi atingido: a descredibilização dos movimentos sociais. A intenção raivosa de destruir os movimentos sociais que lutam – de facto e não apenas ao nível do discurso político – pelo direito à habitação transparece nos ataques às associações cívicas, entre as quais pontua a Habita.

Nesta nova fase da campanha, os movimentos sociais são acusados de estarem infiltrados por militantes do BE. O argumento poderia ser qualificado de obtuso, se não fosse clara a sua intenção de descredibilizar os movimentos sociais, uma vez que activistas, militantes e simpatizantes de todos os partidos, de todo o espectro político, da extrema esquerda à extrema direita, existem em toda a parte da sociedade, sem excepção. A única maneira de acabar com eles é chamar Salazar a levantar-se da tumba e pôr fim a toda a participação democrática e cívica na nossa sociedade, se necessário com recurso à tortura. É portanto uma acusação que, não sendo estúpida, só pode ser espurca e autoritária.

O ataque aos movimentos sociais é tanto mais oportuno para a direita e para os especuladores imobiliários, quanto dentro de mês e meio (21 a 25 de Setembro) se realiza em Lisboa um encontro internacional de activistas europeus pelo direito à habitação e à cidade, contra a especulação imobiliária e a apropriação privada de todos os espaços públicos e habitacionais. Notem: ainda os movimentos sociais não fizeram o trabalho de divulgação da iniciativa – que deviam ter iniciado há muito tempo, sendo este desmazelo ou menosprezo pela comunicação pública uma falha grave que tem de ser apontada e discutida –, já os seus opositores, sempre muito atentos, iniciaram a campanha de descredibilização dos organizadores da iniciativa. A eficácia da direita é de facto admirável. E a inexperiência, desorganização e desmazelo dos movimentos sociais portugueses tem de ser corrigida.

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