24/05/14

A sede de memória e o Aqueduto das Águas Livres

Memórias colectivas há-as muitas e de muitos géneros. Da que vamos aqui falar, é da dos explorados e oprimidos.
A memória colectiva é a alma mater da acção eficaz. Sem memória colectiva não existe resistência. Pode haver fúria momentânea, actos de raiva ou qualquer outra expressão emocional da frustração e da dor, mas não existe revolta (no sentido camusiano) nem resistência. A memória colectiva não se confunde com a memória individual nem pode ser substituída por esta; tem uma vida própria, um corpo próprio, métodos específicos de construção e conservação. O corpo da memória colectiva são os movimentos sociais: os sindicatos, as associações de bairro, as comissões de trabalhadores, as bibliotecas, tertúlias e escolas populares, etc. Mortos estes corpos, morre a memória.
Dito de outro modo: não existe memória colectiva sem organização. A memória desorganizada é uma falsa memória; é um conjunto caótico de dados fortuitos, que remetem para manifestações meramente emocionais, quando não para a inanição, sem conseguirem gerar resistência e revolta. A evidente incapacidade das populações, em Portugal, para fazerem frente aos abusos de poder de que estão a ser vítimas radica precisamente aí: na morte clínica da organização autónoma e de classe – logo, no estertor da memória colectiva.