26/03/18

Como mulher ou com as mulheres?


 
Quanto mais frágil é o movimento social, o projecto político e a mobilização das populações em torno de um tema social, tanto maior o chinfrim, a zaragata tertuliana, o choque entre grupelhos e pessoas, por dá-cá-aquela-palha. Esta é uma regra segura para auscultar a saúde dos movimentos sociais.
 
Há dias assistimos a uma dessas chinelices: um enorme chinfrim nalgumas páginas de internet em torno duma «Oficina de Urbanismo Feminista» organizada por Mulheres na Arquitectura e anunciada assim: «As cidades, os bairros, as ruas são os próprios campos de trabalho, reflexão e proposição, também campos de batalha» e assim: «oficina destinada a pessoas que se identificam como mulheres». Como estamos na era do Facebook, é difícil saber se o que lemos representa mesmo o pensamento das autoras ou se resulta de desleixo ou inépcia na escrita. Por mim, parto do princípio que, ao escreverem «como mulheres», as autoras pretendem significar «com as mulheres» ou «com as causas das mulheres», visto que doutra forma se geram possíveis conotações sexistas e perpassa como que o apelo a um modelo passadista de mulher – ou, mais simplesmente: a um modelo identitário qualquer.
 
Não me estranha que alguém organize um convívio, uma reunião, um debate ou um seminário estritamente reservados a clientes habituais. Se os bares fazem isso, se os partidos fazem isso, se as ordens profissionais fazem isso, se o governo faz isso (a diplomacia secreta é uma instituição consagrada e tacitamente aceite pelos eleitores), por que carga d'água não poderiam fazê-lo as arquitectas feministas?

22/03/18

Pedro Passos Coelho enviado para a reserva natural do ISCSP

Tudo o que de importante havia a dizer sobre a oferta duma cátedra a Passos Coelho já foi dito – o oportunismo, o carreirismo, a trafulhice administrativa, o compadrio elitista e partidário; enfim tudo foi já suficientemente esmiuçado. E se um desses professores que há décadas aguardam em vão o acesso à cátedra, em desespero de causa e ao ver-se ultrapassado por um simples licenciado, abraçasse o terrorismo como solução de todos os seus males, poderia contar com a minha compreensão, ainda que não com a minha simpatia. Compreende-se também a indignação dos 28 professores que assinaram uma petição pública, argumentando que «A atribuição do grau de catedrático a Pedro Passos Coelho, mesmo sem cadeira designada, constitui um atropelo flagrante ao estatuto da carreira docente universitária em Portugal» (ver aqui e aqui). Contudo há um aspecto contextual que não deve ser ignorado: não estamos a falar duma escola universitária qualquer, trata-se do ISCSP – um facto que torna a cátedra justificável, como passarei a explicar.

05/03/18

Novo anedotário neoliberal (3) – Inovação tecnológica, trabalho e natureza

(Pat Stacy, técnicas mistas sobre tela, s/d)

Embora a questão da relação entre a ciência e a produção seja discutida há pelo menos dois séculos, ela é-nos apresentada hoje como uma novidade emergente. Já falei aqui sobre este tema, do qual acabei por extrair duas conclusões: 1) quanto mais poderosa a tecnologia, tanto maior o poder de quem controla os meios de produção; 2) este aumento de poder justifica o reforço da protecção dos assalariados e a aplicação, por parte destes, de contra-medidas. Pretendo agora falar-vos da relação entre tecnologia, forças produtivas e natureza.