Com a crise económica mundial da década de 1970,
as coisas mudam pouco a pouco de figura. As épocas de crise são
muito propícias à reflexão sobre as condições políticas e
sociais, puxam à invenção de novas soluções. Nesse aspecto,
porém, fica-me sempre a impressão de que, tirando situações
especiais (como foi o caso em Portugal, de 1974 a 1976), o capital
leva sempre a palma. É natural que assim seja, já que a
generalidade dos capitalistas, ainda que muito chorem e lastimem a
crise económica, sofrem menos física e psicologicamente, não
passam fome (refiro-me à verdadeira, não à metafórica), não têm
de gastar todo o seu tempo de reflexão a congeminar formas de
subsistir; por maior que seja a crise, têm dinheiro para pagar a
equipas de pensadores, para contratar estudiosos, mobilizar
universidades inteiras e contratar umas quantas mentes brilhantes.
«Quando eu nasci, as frases que hão-de salvar a humanidade já estavam todas escritas, só faltava uma coisa: salvar a humanidade.» - Almada Negreiros
18/03/14
O crime organizado em alta escala
Em 2011, um pouco mais de 1/3 da população
portuguesa tinha nascido antes de 1960. Deve portanto recordar-se
duma época, que vai pelo menos até finais dessa década, em que os
trabalhadores recebiam o salário na mão, em dinheiro vivo, e o
guardavam em casa numa lata, numa gaveta ou debaixo do colchão.
15/03/14
70 ministeriáveis abicham à porta do PS
70 personalidades que abarcam a generalidade do espectro político português, de Adriano Moreira a Francisco Louçã, publicaram um «Manifesto pela Reestruturação da Dívida».

O Manifesto apresenta uma linguagem e uma estrutura reconhecíveis à primeira vista por qualquer técnico de publicidade e marketing, segundo me disseram os ditos. Foi minuciosamente construído de forma a não acordar ideias e polémicas que, do ponto de vista dos subscritores, não convém suscitar no debate público e na cabeça das pessoas.
Ao reunir figurões políticos variados num encontro altamente improvável, o Manifesto cria a sensação de um amplo consenso nacional, em que, de Portugal inteiro, apenas ficariam de fora os membros do governo. A força desta confluência tem um efeito esmagador na opinião pública, cilindrando tudo o que seja opinião alternativa à reestruturação da dívida – ao ponto de fazer encolher os ombros de muito boa gente perante a estranheza de na cama dos subscritores se ver ex-ministros de Salazar embrulhados com altos dirigentes da suposta esquerda radical.
O Manifesto procura seduzir com argumentos especiosos: «O processo de reestruturação das dívidas públicas já foi lançado pela Comissão Europeia» (então para quê o manifesto?); «A primeira condição é o abaixamento significativo da taxa média de juro do stock da dívida»; «A segunda condição é a extensão das maturidades da dívida para 40 ou mais anos»; «[A terceira condição é] reestruturar, pelo menos, a dívida acima de 60% do PIB».
12/03/14
Um empreendedor é um furão, já lá diz o dicionário
O programa «Prós e Contras», da RTP-1, costuma
dividir os convidados em dois campos. Na última
edição – dedicada à fuga dos portugueses para o
estrangeiro, ainda que não se abram as águas do canal da Mancha –
havia o campo dos que acham que há pró-razões para os
trabalhadores fugirem de Portugal a sete pés e o campo dos que
contra-acham que está tudo bem.
Os contras eram um «empreendedor» chamado Miguel
Gonçalves (um descarado furão à vista desarmada) e um jurista
chamado Rodrigo Adão da Fonseca com tiques neofascistas exibidos de
forma bastante cândida. No campo oposto, Raquel Varela,
historiadora, com uma capacidade argumentativa e um acervo de
informação objectiva invulgares; e um empresário benévolo, Pedro
Carmo Costa. É impossível não suspeitar que a configuração desta
edição do programa tenha sido propositadamente desequilibrada em
favor da defesa dos trabalhadores deste país e da destruição da
imagem dos «empreendedores» furões.
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