14/07/11

Os poiais da minha aldeia

Aqui debruçado à janela sobre a rua direita, vejo os velhos sentados nos poiais. Aquecem-se à calma da tarde com suas máscaras juvenis. Agitam no ar bengalas de velho.

Uns debulham. Outros contam espingardas. Outros cutucam-se em risinhos de esguelha.

Arquitectam tácticas para ganhar vantagens sobre os demais poiais – ou o campeonato – ou as eleições – ou a revolução. Tanto faz. Ao cabo da tarde a brisa suave varrerá todas as tácticas para nenhures, apenas deixando os velhos finalmente silenciados perante a magia do sol poente.

No dia seguinte, os velhos sentados nos poiais retomam a ladainha. Pautam as asserções batendo a bengala no chão. A rua anima-se de rumores. Todo o poial é orquestra; todo o velho, músico. Mas como debaixo das suas máscaras de jovem estão velhos, cansados e gastos, o gesto é lasso. O que se ouve não é uma batucada grandiosa de tambores africanos; apenas o humilde puf-puf das pontas das bengalas com protector de borracha a bufarem no empredado. Ninguém ousa magoar o chão que pisa – puf-puf – a calçada é sagrada.

A tarde avança e os batucadores de pantufas vão amolecendo ao sol, até à desvertebração final.

Adoro esta minha terra provinciana, em que ainda há poiais debaixo dum não-tecto cerúleo, e em que as pessoas podem descontraidamente confundir o discurso colectivo com a maledicência pessoal, e em que o vocabulário colectivo deixou de fazer distinções de rigor entre «movimento», «grupo», «tertúlia», «organização», «associação» – para quê distinções, para quê rigores, se ainda assim o sol seguirá o seu curso, aquecendo sempre os ossos cansados? Tudo é uma grande massa amorfa de não-ideias e emoções. Tudo é equivalente. Tudo é igual. É este o verdadeiro reino da democracia abitolada pelo menor denominador comum, equivalendo bitoques e bifes.

Esta é uma terra onde 6 pessoas estaticamente fechadas dentro duma marquise podem cutucar os cotovelos e intitular-se «movimento». É também uma terra onde várias pessoas livremente reunidas na rua podem ser apodadas de «infiltração». Apesar de tudo, sempre é um progresso subtil em relação aos tempos do Estado Novo, vai para 40 anos, quando 3 pessoas livremente reunidas na rua eram apelidadas «organização subversiva» e metidas numa gaiola, onde poderiam então assobiar tão livremente como os canários.

Adoro a não-progressão desta terra calmamente apoiada em poiais. Mas tenho por vezes dificuldade em acompanhar a velocidade louca a que beirões, minhotos e mouros cutucam de esguelha arquitecturas tácticas que o vento da tardinha varrerá, para que possam de novo ser refeitas amanhã.

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