01/05/15

Greve dos pilotos da TAP – ejecção ou dejecção?




Apenas existe uma maneira de administrar serviços de interesse público: dando-lhes a natureza de departamento público, empresa pública sem fins lucrativos, nacionalizada, socializada, ou outra variante afim. Significa isto gerir os serviços em questão com espírito de missão pública.
Apenas existe uma maneira de administrar uma empresa privada: colocando-a ao serviço dos interesses dos accionistas. Significa isto buscar a maximização do lucro, doa a quem doer.
Estes dois tipos de administração são totalmente incompatíveis entre si. Se alguém vos tem dito o contrário, enganou-vos. Depois da cegonha, do Pai Natal e da Dona Branca, este é certamente o último grande mito à face da Terra.
A administração, toda e qualquer administração, pode ser excelente, boa, má ou desastrosa – e esse é o único aspecto que a gestão pública partilha com a gestão privada. Contudo, a qualidade administrativa é um problema que resulta de factores circunstanciais – não da natureza (pública ou privada) da instituição em si mesma. Se alguém tentou confundir no vosso espírito ambas as coisas (gestão da instituição e natureza da instituição), andou a tourear-vos. Dêem-lhe já uma cornada e acabem com a brincadeira.


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Os pilotos da aviação civil estão organizados de forma corporativa, à parte dos restantes trabalhadores do sector e da empresa, e deram à sua organização o nome de Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil (SPAC); se tivessem optado por chamar-lhe Ordem, ia dar no mesmo, com a diferença de que seria muito mais claro. E de resto, se existe uma Ordem dos Economistas (!), porque não haveria de haver uma Ordem dos Pilotos, ou dos Sapateiros?
Tanto quanto sei, o SPAC bate-se há longa data pela privatização da TAP (e de várias sucursais e associadas da TAP), de molde a que os pilotos fiquem detentores de acções duma ou várias futuras empresas privadas. Não consigo perceber bem o que se passa com a actual «greve» dos pilotos da TAP (creio que ninguém consegue, em Portugal inteiro), mas quer os «grevistas» tenham explicitado o desígnio de privatização com acções para os pilotos, quer tenham optado por silenciá-lo desta vez, este é o seu historial. Enquanto não vier alguém, em nome de toda a classe, desmentir o referido desígnio, ele continua a vigorar como eixo central das suas motivações.
Dito de outra forma: os pilotos, no seu conjunto corporativamente organizado, querem ser donos duma companhia aérea e patrões dos seus companheiros de trabalho. Não existe outra maneira de se encarar o desígnio de ser accionista duma companhia.
As consequências deste facto são as seguintes: a paralisação dos pilotos não pode ser discutida como se fosse uma greve; ela é, para todos os efeitos, um lockout; ou seja, é uma acção de força de alguém que pretende vir a ser patrão e desde já se comporta como tal.
Ainda por cima, tudo nesta «greve» dos pilotos parece apontar para a sua convicção de que, com esta tomada de força, conseguem anular um parecer da Procuradoria-Geral da República, de 2013, que «considera que os pilotos da TAP não têm direito a uma participação no capital da companhia aérea no âmbito da sua privatização [como lhes foi prometido em 1999], porque o acordo que lhes dá esse direito foi estabelecido fora da lei».

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Os pilotos têm problemas salariais? Laborais? De segurança e de regalias? De carreira? De sobrecarga horária? De ambiente de trabalho? Acredito que sim, que tenham imensos – se no país inteiro todos os assalariados, sem excepção, sofrem esse tipo de problemas, muito me espantaria que os pilotos o não tivessem. Acho bem que lutem por melhores condições de trabalho e de retribuição. Mas alguém acredita na boa-fé dessa luta, estando eles a fazê-la de costas voltadas para os colegas? Marcando greves sem os consultar? Furando plataformas unitárias? Negociando com as administrações nas costas dos companheiros de trabalho? Rompendo e contrariando acordos entre as várias organizações profissionais e sindicais, no mais aceso momento de luta? Pedindo para ser patrão e encostando os colegas à parede, em vez de encostar os patrões à parede? Pedindo a privatização em vez de pedir um serviço público de excelência?
Os pilotos em «greve» não pediram o conselho e apoio aos colegas nem à população, a propósito de um serviço que ainda é público e que é do interesse público – avançaram sem passar cartão a ninguém, porque obviamente estão-se nas tintas para os interesses dos colegas e dos restantes trabalhadores deste país. Não venham agora pedir solidariedade, compreensão e batatinhas. Nem nos queiram levar a chamar «greve» a uma acção de força que fere interesses doutros trabalhadores, não por engano, mas em moldes tais, que mais parece um lockout.

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