Apenas existe uma maneira de administrar uma
empresa privada: colocando-a ao serviço dos interesses dos
accionistas. Significa isto buscar a maximização do lucro, doa a
quem doer.
Estes dois tipos de administração são
totalmente incompatíveis entre si. Se alguém vos tem dito o
contrário, enganou-vos. Depois da cegonha, do Pai Natal e da Dona
Branca, este é certamente o último grande mito à face da Terra.
A administração, toda e qualquer administração,
pode ser excelente, boa, má ou desastrosa – e esse é o único
aspecto que a gestão pública partilha com a gestão privada.
Contudo, a qualidade administrativa é um problema que resulta de
factores circunstanciais – não da natureza (pública ou privada)
da instituição em si mesma. Se alguém tentou confundir no vosso
espírito ambas as coisas (gestão da instituição e natureza da
instituição), andou a tourear-vos. Dêem-lhe já uma cornada e
acabem com a brincadeira.
* * *
Os pilotos da aviação civil estão organizados
de forma corporativa, à parte dos restantes trabalhadores do sector
e da empresa, e deram à sua organização o nome de Sindicato dos
Pilotos da Aviação Civil (SPAC); se tivessem optado por chamar-lhe
Ordem, ia dar no mesmo, com a diferença de que seria muito mais
claro. E de resto, se existe uma Ordem dos Economistas (!), porque
não haveria de haver uma Ordem dos Pilotos, ou dos Sapateiros?
Tanto quanto sei, o SPAC bate-se há longa data
pela privatização da TAP (e de várias sucursais e associadas da
TAP), de molde a que os pilotos fiquem detentores de acções duma ou várias futuras empresas privadas. Não consigo perceber bem o
que se passa com a actual «greve» dos pilotos da TAP (creio que
ninguém consegue, em Portugal inteiro), mas quer os «grevistas»
tenham explicitado o desígnio de privatização com acções para os
pilotos, quer tenham optado por silenciá-lo desta vez, este é o seu
historial. Enquanto não vier alguém, em nome de toda a classe,
desmentir o referido desígnio, ele continua a vigorar como eixo
central das suas motivações.
Dito de outra forma: os pilotos, no seu conjunto
corporativamente organizado, querem ser donos duma companhia aérea e
patrões dos seus companheiros de trabalho. Não existe outra maneira
de se encarar o desígnio de ser accionista duma companhia.
As consequências deste facto são as seguintes: a
paralisação dos pilotos não pode ser discutida como se fosse uma
greve; ela é, para todos os efeitos, um lockout; ou seja, é
uma acção de força de alguém que pretende vir a ser patrão
e desde já se comporta como tal.
Ainda por cima, tudo nesta
«greve» dos pilotos parece apontar para a sua convicção de que, com esta
tomada de força, conseguem anular um parecer
da Procuradoria-Geral da República, de 2013, que «considera que
os pilotos da TAP não têm direito a uma participação no capital
da companhia aérea no âmbito da sua privatização [como lhes foi
prometido em 1999], porque o acordo que lhes dá esse direito foi
estabelecido fora da lei».
* * *
Os pilotos têm problemas salariais? Laborais? De
segurança e de regalias? De carreira? De sobrecarga horária? De
ambiente de trabalho? Acredito que sim, que tenham imensos – se no
país inteiro todos os assalariados, sem excepção, sofrem esse tipo
de problemas, muito me espantaria que os pilotos o não tivessem.
Acho bem que lutem por melhores condições de trabalho e de
retribuição. Mas alguém acredita na boa-fé dessa luta, estando
eles a fazê-la de costas voltadas para os colegas? Marcando greves sem os
consultar? Furando plataformas unitárias? Negociando com as
administrações nas costas dos companheiros de trabalho? Rompendo e
contrariando acordos entre as várias organizações profissionais e
sindicais, no mais aceso momento de luta? Pedindo para ser patrão e
encostando os colegas à parede, em vez de encostar os patrões à
parede? Pedindo a privatização em vez de pedir um serviço público
de excelência?
Os pilotos em «greve» não pediram o conselho e
apoio aos colegas nem à população, a propósito de um serviço que
ainda é público e que é do interesse público – avançaram sem
passar cartão a ninguém, porque obviamente estão-se nas tintas
para os interesses dos colegas e dos restantes trabalhadores deste
país. Não venham agora pedir solidariedade, compreensão e
batatinhas. Nem nos queiram levar a chamar «greve» a uma acção de
força que fere interesses doutros trabalhadores, não por engano,
mas em moldes tais, que mais parece um lockout.
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