30/05/11

A praga fatal dos grupelhos

Declaração à assembleia popular do Rossio de Lisboa

100 anos após as primeiras revoluções do século XX, os grupelhos sectários continuam a não conseguir perceber uma questão crucial na acção política e de massas – forçar uma assembleia (ou um povo inteiro) a aprovar coisas que ainda não estão ao alcance da consciência colectiva, equivale a apontar uma pistola à assembleia e matá-la logo ali.

Estas seitas e grupelhos vivem num eterno estado de infantilismo político; sofrem duma menoridade mental que os incapacita de compreender que o que faz avançar o mundo não é a política nem a economia, mas sim a ideologia, quero eu dizer, as ideias e a cultura; não entendem que a golpada mata a revolução, porque a golpada é uma coisa intrinsecamente contra-revolucionária. Como se comprova historicamente, não adianta nada pedir a um camponês analfabeto que assine de cruz um manifesto revolucionário, cujos termos ele não entende.

É o que está a acontecer nesta assembleia popular do Rossio, em Lisboa.

Temos aqui um conjunto antagónico de grupelhos apostados em fazer aprovar posições que a assembleia ainda não pode alcançar.
No sábado, 28 de Maio de 2011, um grupelho de infantes birrentos aproveitou-se duma situação que nunca devia ter existido (uma assembleia deliberativa a seguir a uma manifestação emocionalmente exaltada, que erro crasso!), e forçou a aprovação duma proposta de solidariedade internacional.
A solidariedade internacional é uma causa justa, porque o opressor do meu vizinho e o opressor da minha terrinha natal são uma e a mesma coisa. Só há um problema: ao forçarem a aprovação desta declaração, os grupelhos dispararam uma bala que iria pôr a assembleia popular do Rossio num estado catatónico. Estava anunciada a sentença de morte da assembleia.

No dia 29 de Maio de 2011, outro grupelho conseguiu desferir o golpe de misericórdia: trouxeram para a assembleia uma discussão estéril e idiota sobre consenso e unanimidade; arrastaram a discussão durante 4 horas, e transformaram-na num massacre desmobilizador, que reduziu a assembleia a cerca 140 pessoas, das quais apenas cerca de 70 votaram.
Este grupelho é constituído sobretudo por jovens espanhóis apostados em impor uma agenda política importada de Espanha, que nada tem a ver com o sentimento local.
Estes colonizadores de ideias são tão sectários, que, embora tentem impor um regime político baseado no «consenso», nem sequer conseguem entender que a palavra «consenso» deriva de «sentimento comum»; confundem «consenso» com debate colectivo e exercício democrático; dizem-se revolucionários mas apostam num regime de pensamento único (porque confundem pensamento lógico com sentimento); baralham «consenso» com «unanimidade» (que é um acidente casual no debate de ideias, excepto nos casos em que seja um golpe sistemático e fascistóide). Estes colonizadores vindos do neolítico da política conseguiram esmagar com uma força troglodita todo o entusiasmo inocente e esperançoso que deu origem a esta assembleia.

Os grupelhos sectários de todos os tipos são meus inimigos políticos há 35 anos. Creio que chegou para mim o momento de abandonar esta assembleia esterilizada, imobilizada, reduzida ao pensamento único e à golpada sectária. Mas mesmo depois de eu sair desta assembleia com morte anunciada, eles permanecem meus inimigos figadais, continuam a ser alvos a abater sem dó nem piedade, em pé de igualdade com todas as correntes defensoras do pensamento único, da opressão, e do autoritarismo monolítico. Ganharam mais esta batalha. Parabéns. Mas eu sei que um dia serão definitivamente vencidos pelo progresso da consciência colectiva.



Nota a posteriori:
Publiquei este artigo sob o efeito duma enorme desilusão sobre a maturidade política duma parte das pessoas que têm acorrido aos debates do Rossio de Lisboa, esse local súbita e maravilhosamente transformado em ágora clássica. E também para fazer jus ao título «bilioso incondescendente» deste lugar.

O artigo tem uma relevância limitada e bastante subjectiva. Nada que se compare ao interesse dos artigos cuja publicação considerei urgente e de interesse público – ou seja, os artigos com informação, documentação e referências documentais sobre a crise, a dívida e a experiência dos países do Terceiro Mundo, da qual se podem extrair valiosos ensinamentos.

Para meu grande espanto, ao olhar para as estatísticas desta semana, constato que as páginas contendo informação útil tiveram 20% dos visionamentos, ao passo que o artigo quezilento  sobre «grupelhos» arrecada 70%.

Que espantosa radiografia do país!

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