Determinismo
Os acasos da vida imperam. Com quem nos cruzamos, com quem nos damos, com quem trabalhamos é sempre coisa imprevista, embora a visão determinista do mundo pretenda que donde vimos e quem somos determinaria quem conhecemos e onde vamos.Eu, por exemplo, vindo de um bairro de peixeiras e estivadores, fugindo a vida toda da escola e abominando os meios académicos, deveria ter seguido um certo rumo aproximadamente lumpen, segundo as boas previsões deterministas. Nada disso. Fui parar precisamente aos lugares que mais detesto.
O determinismo é uma espécie de cagança do fatalismo. O determinista acredita inocente e envergonhadamente no fado e depois redime-se inundando-nos com fórmulas matemáticas, físicas, marxistas, ... – enfim, uma seca, uma numerologia religiosa, fanática; um cientifismo incapaz de compreender a ironia de Pitágoras, esse génio que inventou duma assentada todas as coisas e todos os opostos – a matemática e a numerologia, a autocracia e o feminismo, e muitas outras coisas, como convém a quem quer reinventar o mundo.
Voluntarismo
O voluntarismo está tão destinado ao falhanço como o determinismo. Ou será que provêm ambos da mesma raiz?A minha vontade nos últimos anos foi sempre a de encontrar gente com quem pudesse actuar no terreno social, na prática. E depois, um dia, se me sobrasse tempo, teorizar a coisa – por desfastio e ocupação de velhice. Nada disso. Por mais que tente e queira e peça, apenas me saem teóricos e críticos de bancada com quem não consigo fazer uma única campanha de agitação e propaganda.
Criticismo
Vivemos uma época insuportavelmente dominada pelos críticos.A última grande moda, pelo menos em Portugal, consiste em promover críticos de música a críticos de filosofia.
A crítica abunda, inunda, aborrece. Na TV, nos jornais, nas páginas de Internet, a quantidade de política que se faz é diminuta – mas a quantidade de crítica da política excede os limites do universo. Para quê fazer política, se podemos sentar-nos no sofá a beber uma cerveja e a criticar a política com uma escalfeta debaixo dos pés?
Passados poucos meses ou semanas depois de alguns acontecimentos notáveis (refiro-me à manifestação de 12 de Março, às assembleias populares do Rossio, etc.), em vez de se dar seguimento à coisa no campo da experiência e da prática, já anda meio mundo a fazer análises críticas ao «fenómeno» (qual fenómeno, se ainda a procissão vai no adro?) e até, pasme-se, a promover efemérides!... de coisas que aconteceram há 8 semanas?...
A introdução da Internet em Portugal coincidiu com a morte de um velho paradigma e o nascimento de outro em seu lugar. Portugal era um país de poetas. É natural isto num país pobre – para ser poeta basta uma pessoa ir sentar-se no café, pedir um lápis emprestado ao empregado e usar o toalhete para começar a escrever. A inspiração pode vir depois. Os meios de produção e orçamentação da poesia são mínimos, ao contrário da pintura ou do cinema.
Seria de esperar que a introdução da Internet aumentasse exponencialmente o número de poetas em Portugal, uma vez que a Internet é uma espécie de toalhete universal e inesgotável. Nada disso. Transformámo-nos todos em críticos. É o novo paradigma português. E vai por graus, como na academia e nas sociedades secretas: começa-se por ser crítico de futebol, ou arte, ou política, e acaba-se por ser crítico de filosofia. A escalfeta, porém, deve ser mantida ao longo do processo de graduação – nada mais perigoso que um crítico resfriado.
Tolice
.......................................Nada disso.
Sem comentários:
Enviar um comentário