6. O edifício sindical – uma situação dúplice
As estruturas sindicais, embora comummente
englobadas todas elas sob a mesma designação, assumem formas
diversas: umas mais basistas, outras mais frentistas.
O exemplo típico de um movimento social de base
são as comissões de trabalhadores – estas são homogéneas, estão
ligadas directamente, sem mediadores, a interesses específicos da
população envolvida. O sindicato sectorial (por exemplo, quando
agrupa todos os metalúrgicos ou todos os professores duma região)
sobe um degrau na mediação; os interesses do grupo envolvido
tornam-se mais genéricos, mais abstractos; a negociação entre os
assalariados e o patronato desliza para um plano mais superstrutural;
os interlocutores passam a ser as associações patronais e em muitos
casos o Estado – ou, para todos os efeitos, instâncias de nível
mais elevado e definidas pelo poder instituído. Apesar disso
continuamos a poder ver no sindicato sectorial uma associação
razoavelmente homogénea e com interesses comuns mais ou menos
imediatos1.
A tendência para a abstracção, à medida que se
caminha para âmbitos regionais e sectoriais mais latos, é mais
fácil de ver nuns casos do que noutros. No caso dos professores, por
exemplo, conforme caminhamos do sindicato ou da comissão local para
o sindicato ou federação regional, a formulação imediata da
situação dos professores, da relação com os alunos, das
necessidades pedagógicas concretas e das problemáticas concretas de
gestão da escola vai dando lugar a conceitos mais genéricos, mais
abstractos, de modo a abarcar todos os casos particulares. Por fim, é
frequente que as regras e convénios de alto nível em certos
sectores se encontrem já bastante distantes da realidade concreta,
quando não em litígio com ela – algures, na cadeia de relações
e mediações, pode ter-se quebrado o elo que mantém a produção de
abstracções ligada e aferida à realidade.
Quando subimos ao topo do edifício sindical
(tipicamente as federações nacionais, a CGTP, a UGT, etc.), as
coisas tornam-se ainda mais indistintas: interesses imediatos
tornam-se menos homogéneos, mais difusos, mais abstractos. Perante a
multitude de interesses e de organizações de base, é intuitivo
vermos nas estruturas de topo um agrupamento de direcções sindicais
(logo, uma frente).
Suponhamos que, numa
determinada região, existem várias grandes empresas metalúrgicas e
um sindicato único, comum a todos os metalúrgicos de todas as
empresas. Suponhamos que na Fábrica-A a entidade patronal desviou
lucros para especulação financeira, colocando a empresa à beira da
falência. Imaginemos que os trabalhadores da Fábrica-A,
apercebendo-se do fim inevitável da empresa, se organizam, formam
uma comissão de trabalhadores e tomam o controle da empresa. A
partir daí encontrar-se-ão sob ataque cerrado do Estado, das
associações patronais e de várias empresas das quais depende a
continuidade da produção – a sua luta corre o risco de sufocar,
não por incapacidade de gestão, mas devido a factores externos. Há
várias soluções possíveis para vencer este cerco, com destaque
para o papel dos sindicatos.
Se a direcção do
sindicato que representa os trabalhadores dessa empresa estiver
empenhada em manter a sua capacidade negocial institucionalizada em
relação às outras empresas e patrões, preferindo não os
hostilizar, virará costas aos trabalhadores da Fábrica-A, evitando
generalizar o conflito a todas as fábricas e distanciando-se de
qualquer tentativa de subverter o poder estabelecido (o poder
patronal) – ou seja, expressamente ou por omissão permitirá que
as associações patronais ponham fim à «experiência» de tomada
de controle pelos trabalhadores da Fábrica-A.
Se, pelo contrário, a
direcção do sindicato estiver disposta a colocar-se
incondicionalmente ao lado da luta dos trabalhadores e assumir os
custos de um enfrentamento de classe, então utilizará a sua
influência para convocar a solidariedade activa dos trabalhadores
das outras empresas, e até das outras estruturas das redes sindicais
nacionais e internacionais, impedindo os patrões de torpedear a
Fábrica-A.
Em qualquer dos casos
o sindicato encontrar-se-á na charneira da relação de forças.
Chamamos-lhe charneira porque – e é este o ponto chave da
questão – o poder não reside no sindicato, mas sim ou
no patronato ou nos trabalhadores; o sindicato é apenas uma
estrutura que ora assume um papel canalizador, ora um papel
catalisador – mas não o lugar do poder por direito próprio. Toda
e qualquer presunção de poder por parte de um sindicato significa
apenas que ele já se colocou do lado do poder hegemónico (que, na
sociedade em que vivemos, é normalmente o do patronato).
Quando subimos no edifício sindical até ao topo,
continuamos a encontrar interesses comuns – já não os interesses
imediatos dos assalariados de uma empresa, ou de um sector de
trabalho, ou de uma indústria, ou de uma região; já não as
relações de trabalho e produção concretas, mas sim um fenómeno
genérico: a oposição geral entre trabalho e capital, considerada
de uma forma abstracta e superstrutural. Chegados a este nível,
vemo-nos perante vastas e elaboradas superstruturas de poder. Por
isso convém lembrar que o modelo e as estruturas de poder são
definidos pela classe dominante; ou seja, ao nível de topo do
edifício sindical todo o confronto e toda a negociação correm o
risco permanente de serem condicionados pela construção
superstrutural dominante.2
A construção de uma estrutura e de uma práxis diferentes, contendo
em si a promessa de um poder alternativo arquitectado pelos
dominados, tende a ser excluída, juntamente com a intervenção
directa (não mediada) e consciente dos assalariados.
Esta distinção é da maior importância, porque
põe em jogo o tipo de poder proposto. No confronto entre uma
comissão de trabalhadores e um gestor de empresa podemos ver
facilmente o poder instituído em confronto directo com um germe
potencial de poder alternativo. No confronto negocial entre uma
central sindical e um ministro ou um sindicato patronal podemos ver
sobretudo toda a maquinaria institucional de poder a funcionar em
pleno. Ora esta máquina (o Estado e, para quê escondê-lo, as suas
mimeses em muitas das estruturas dos trabalhadores) é uma
superstrutura arquitectada sobre os interesses imediatos e mediatos
das classes dominantes. Esta constatação permite-nos compreender o
empenho da maioria das organizações políticas em forçarem a
existência de centrais sindicais para todos os «gostos».
Em suma, dentro do edifício sindical é
necessário distinguir dois níveis distintos: a movimentação
social de base e a movimentação frentista. A primeira está de
alguma forma ligada a uma possível alternativa de poderes; a segunda
ou se subordina rigorosamente à primeira, ou correrá o risco de
tender a colaborar com o poder dominante.
No que diz respeito à aferição do modelo teórico proposto, caberia agora aplicar a lei de medição do alargamento/estreitamento. Embora pareça evidente que se verifica um estreitamento do movimento sindical nas últimas décadas, não vamos aplicar o teste, porque, perante os efeitos combinados de vários factores políticos, económicos e sociais actuais (com destaque para o aumento do contingente de desempregados e precários), uma avaliação apressada correria o risco de confundir causas e efeitos e de tomar por correlativos fenómenos independentes que concorrem em paralelo.
No que diz respeito à aferição do modelo teórico proposto, caberia agora aplicar a lei de medição do alargamento/estreitamento. Embora pareça evidente que se verifica um estreitamento do movimento sindical nas últimas décadas, não vamos aplicar o teste, porque, perante os efeitos combinados de vários factores políticos, económicos e sociais actuais (com destaque para o aumento do contingente de desempregados e precários), uma avaliação apressada correria o risco de confundir causas e efeitos e de tomar por correlativos fenómenos independentes que concorrem em paralelo.
Gráfico
1: Evolução do número de trabalhadores abrangidos por convenções colectivas, 2000-2012
A redução de 83% do número de trabalhadores abrangidos pela contratação colectiva em 5 anos, expressa no Gráfico 1, cria um conjunto de condições políticas objectivas que nos impede de analisar com rigor as condições subjectivas de organização dos trabalhadores, nos moldes em que nos conviria aqui.
1 Insistimos,
mais uma vez, em que o termo imediato tem ser entendido neste
texto no seu sentido próprio (sem mediador) e não no seu
sentido figurado (próximo, instantâneo,
superficial), que é o mais comum na linguagem corrente.
2 Não
deve deduzir-se desta afirmação que o perigo de alinhamento com as
estruturas do poder (político e económico) tenha de concretizar-se
– isso equivaleria a dizer que os sindicatos são perigosos
instrumentos do poder instituído, tese que nem pouco mais ou menos
sugerimos.
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