Uma das coisas que me aflige desde março de 2020 é a perda de controle emocional exibida por tantos jornalistas e comentadores – umas vezes de forma muito evidente (quando ao vivo, onde não é possível disfarçar o tom de voz, a fácies e a postura), outras menos, quando expressa por escrito. Muitas figuras públicas têm feito tristes figuras, das quais parecem não se envergonhar, talvez por serem já escravas da sua própria disfunção emocional e comportamental.
Uma das características das emoções fortes é serem elas extremamente contagiosas. É muito difícil conviver com o riso, o choro, a raiva ou o ódio sem deles participar. Isto significa que uma campanha de intolerância/ódio, adornada de descontrole emocional, levada a cabo 24 horas por dia nos media, terá um inevitável efeito patológico na generalidade da população. Por outras palavras, está-se a gerar uma sociedade carregada de disfunções cognitivas e emocionais que necessitarão de várias gerações para serem desfeitas. É, do meu ponto de vista, um autêntico crime contra a humanidade.
A coisa começou a tornar-se notória com a chegada do covid-19 e respectivas medidas de combate à pandemia. Durante dois anos os poderes públicos alimentaram uma cultura de medo e intolerância. As consequências são em muitos casos dramáticas, com rompimento de longas amizades, aumento da agressividade nas relações sociais e familiares e vários outros efeitos nefastos já identificados e estudados, entre os quais uma evidente ruptura generalizada das categorias cognitivas: a ciência perdeu a sua autoridade e o seu método e nenhum dado material resiste ao imperativo ideológico e propagandístico. A lucidez média da população recuou quase aos tempos da Idade Média, em proveito exclusivo de meia dúzia de empresas farmacêuticas internacionais e respectivos accionistas (e também de um considerável número de pessoas singulares e colectivas a quem as farmacêuticas pagam principescas luvas).
No preciso momento em que a pressão da pandemia parecia pronta a atenuar-se, eis que chega a Guerra da Ucrânia.
O que há de comum nas duas situações, no que diz respeito aos media portugueses? 1) A expansão de duas emoções primárias latentes: o medo e a raiva; 2) diversas emoções secundárias, culturalmente compostas, propiciadas por diversos instrumentos de pressão social, entre as quais a intolerância e o ódio. Estas duas são particularmente preocupantes na situação actual, pois a melhor maneira de deitar gasolina na fogueira da guerra consiste em fomentar o ódio, seja ele dirigido a quem for. Ora, para fomentar o ódio, nada melhor do que arvorar um inimigo público, um papão à boa maneira americana, e é isso que tem sido feito pelos meios de comunicação social, pelos dirigentes nacionais e internacionais e por esse novo poder público que é o Comentariado. Enfim, estamos todos a ser balcanizados.
Durante a primeira fase de descontrole emocional, o inimigo público chamava-se negacionismo. Foram catalogados de negacionistas todos quantos não alinharam no pensamento hegemónico/oficial. A utilização do termo não teve nada a ver com a negação de qualquer dado da realidade material, viral ou científica por parte dos visados, mas sim com o facto de eles articularem/interpretarem os dados reais em divergência com o pensamento oficial. Em suma, o termo negacionista passou a ser o estigma usado na purga política.
Outra característica da campanha levada a cabo pelas farmacêuticas, pelas autoridades públicas e pelo Comentariado é o uso sistemático de meias verdades, senão mentiras. Assim, por exemplo, a afirmação da necessidade de isolar (confinar) os indivíduos sãos, coisa que só tinha acontecido até hoje na história da humanidade, creio eu, por motivos de ódio étnico; a afirmação de que os assintomáticos são veículos de contágio, contra toda a evidência científica; a teima em vacinar jovens e crianças, apesar do protesto de destacadas autoridades científicas; a falsificação pura e simples de estatísticas; a aplicação universal, directa ou indirectamente compulsiva, de vacinas insuficientemente testadas, escamoteando sistematicamente essa insuficiência; a utilização de modelos matemáticos assentes em pressupostos discricionários de duvidosa validade; a disseminação de testes de despiste de eficácia comprovadamente taralhoca; a criação de legislação discriminatória; etc.
A inauguração de um Ministério da Verdade decalcado do de Orwell ocorreu logo na primeira semana de alerta contra a pandemia e foi celebrada com a afirmação solene e cientificamente atestada de que as máscaras de nada serviam, esqueçam as máscaras, seguida poucos dias depois de um decreto, de igual modo certificado cientificamente, que tornou obrigatórias as máscaras para salvação dos nossos corpos e das nossas almas. A emenda foi lavrada pelo Ministério da Verdade sem comentário nem mea culpa, como se nunca outra tivesse sido a verdade.
Muitas das afirmações e medidas oficiais entretanto produzidas chocam frontalmente contra a observação empírica e o senso comum (veja-se o referido confinamento imposto às pessoas sãs) e são acompanhadas de enorme pressão social no sentido da alteração comportamental, acabando por gerar uma forte tensão entre a capacidade cognitiva e a realidade. Como não sou especialista, não posso avaliar os efeitos dessa tensão na saúde mental, mas não me parece difícil adivinhar a sua nocividade presente e futura para todo o sistema cognitivo.
A segunda fase do descontrole emocional inicia-se com a invasão da Ucrânia, isto é, com a eclosão de um ambiente de guerra à nossa porta, por assim dizer (embora guerras e ingerências externas já não faltassem à nossa volta, nomeadamente logo ali ao virar do Mediterrâneo, vá-se lá entender, tendo por actores principais as mesmíssimas potências e tendo por vítimas as populações locais, como sempre). Voltamos a assistir à utilização dos principais vectores presentes na primeira fase: deturpações, mentiras e meias verdades; descontrole emocional do Comentariado (agora já à beira da histeria em certos casos) e até de algumas figuras de Estado; censura pública e privada; etc.
O mecanismo do Ministério da Verdade encontra-se agora mais rodado e bem oleado. Para além da negação pura e simples do real poder das forças neonazis no aparelho de estado e nas forças armadas ucranianas (indo assim contra todas as notícias e estudos académicos publicados na última década), um dos casos mais espantosos de deturpação é a afirmação de que a armada russa estaria a perder a guerra em toda a linha e por isso, para salvar a face, estaria agora disposta a aceitar uma proposta de neutralidade da Ucrânia, questão que, segundo alguns comentadores, nunca teria sido posta em cima da mesa pelo regime de Moscovo! – passando assim uma esponja sobre duas décadas de actas nas Nações Unidas e declarações públicas das autoridades russas.
O silenciamento da realidade, outra grande especialidade do Ministério da Verdade, não é menos importante que a deturpação. Certas coisas, segundo o Ministério da Verdade, nunca teriam existido nem dado notícias. Por exemplo, nunca um comentador se atreveu a mencionar que, após décadas de intervenções, invasões e ingerências por parte de Washington e de Moscovo, apenas um grupo de países não alinhados caninamente por um dos dois blocos militares jamais foi invadido, arrasado ou ingerido: aqueles que possuem armamento nuclear. Mais claro que isto, não pode haver.
Igualmente «inexistente» é o facto de o actual regime ucraniano ter ilegalizado 11 partidos, alguns deles com representação parlamentar (apenas restam os dois partidos pró-regime), e colocado todas as cadeias de televisão sob o controle directo do Governo. Entretanto, o Ministério da Verdade incensa levianamente Zelenski como grande herói não só da nação mas também da humanidade inteira.
As vozes que desde o início do conflito pretenderam apresentar dados relevantes para o entendimento da situação, nomeadamente dados de carácter técnico-militar, foram hostilizadas e arredadas – e note-se que, tanto quanto me foi dado ver, nenhuma delas pôs em causa o direito à soberania da Ucrânia nem tentou defender a invasão russa do país; tratava-se apenas de lançar luz sobre um assunto bastante complexo e de chamar a atenção para o enorme perigo que seria espicaçar directa ou indirectamente uma terceira guerra mundial, por sinal nuclear.De resto, a este propósito, é preciso dizer o seguinte: a intimação do Comentariado a que tomemos partido por Putin ou por Zelenski/OTAN/EUA é um falso dilema que eu recuso, pois apenas pode conduzir a uma escravidão consentida, sejam lá quais forem os vencedores. E a ideia de que a Ucrânia, por ser um país soberano, tem todo o direito a pedir a integração na OTAN é simplesmente patética: em geoestratégia (eufemismo simpático para designar a resolução armada dos conflitos por interesses imperiais e económicos) e em diplomacia (eufemismo simpático para a geoestratégia à hora do chá ou das orações, conforme o quadrante do Globo), não existe Direito Internacional, não existem Direitos Humanos Universais, não existe democracia, não existe solidariedade e cooperação internacionais, nem sequer existe racionalidade digna desse nome. Não existe, nem nunca existiu – tudo isso é suspenso à hora da geoestratégia. A única coisa que existe é a força das armas, venham elas de que lado vierem. Portanto, deixem-se de tretas – quando um país vizinho avisa que a presença da OTAN à sua porta é considerada uma «ameaça existencial» (sic), a Ucrânia e os Ucranianos não têm direito coisíssima nenhuma, no plano das relações internacionais, a aderir à OTAN; nem sequer podem ir a jogo, são um piolho nas cuecas de dois gigantes; têm é o direito de manter-se neutros, a ver se não levamos todos com uma carga de Dundum, que é como quem diz, com uma nuclear.
Eis a única coisa que posso aconselhar ao povo ucraniano: corram com o Zelenski, corram com as tropas nazis que o sustentam e assem-nas no espeto, corram com os milionários que lhe pagam a mesada e os negócios imobiliários em Londres, exijam a neutralidade pacífica do vosso país, juntamente com a saída das tropas russas e a autodeterminação dos vossos irmãos que querem pedir o divórcio (sabem o que é o divórcio, por essas bandas?), vão beber copos com eles e troquem receitas culinárias, qual raio é o vosso problema? Se fizerem qualquer outra exigência que implique um apelo internacional às armas, podem contar com a minha raiva militante, porque não me apetece morrer assado num conflito nuclear. Tirando isso, se precisarem de ajuda, podem bater à minha porta, estou disponível para partilhar a cama, as camisas e a mesa com quem necessitar.
Ainda a propósito do perigo de escalada global da guerra, é espantoso como o sectarismo, o ódio e a russofobia se sobrepuseram a uma emoção primitiva: o medo. Penso que isto diz tudo acerca da tremenda força propagandística do Ministério da Verdade.
Igualmente silenciado tem sido o facto de a OTAN e o Pacto de Varsóvia serem filhas de outro mundo, um mundo bacoco, feito de guerras frias e guerras quentes, onde dois gigantes se defrontavam em permanência, em todas as latitudes e longitudes do planeta. Hoje, extinto o Pacto de Varsóvia, o que temos de facto é um Godzilla (EUA/OTAN, com um sidecar chamado UE a reboque) versus Bambi (Rússia), um ridículo Bambi cujo medo perante os despudorados avanços de Godzilla talvez o tenham levado a tentar uma bravata suicida.
Para ser franco, do que eu tenho mais medo é que a Administração de Biden/OTAN passe ao meu vizinho um voucher para ele criar um clima de ódio, balcanizar o bairro e me dar um tiro na cabeça, e não tanto de que Putin venha por aí fora a cavalo de um tanque para ocupar a minha casa, se tiver verba suficiente para o manter em andamento.
No tempo da ditadura salazarista, tínhamos um estado centralizado armado de SNI e Comissão de Censura que conseguia controlar a imprensa e portanto a opinião pública de forma tão eficiente, tão profunda e duradoura, que ainda hoje, passado meio século, os Portugueses chamam Descobertas à Conquista Global e à chacina de milhões de autóctones. Hoje, em vez de um mecanismo centralizado para controlar os media, usa-se um mecanismo privado de controle e censura. Não é fascismo, é o neoliberalismo na sua melhor forma. Em vez de uma falange de nazis com o troglodita do Mário Machado à cabeça, é muito mais eficaz (para os poderosos) um contrato de dívida ao FMI e uma campanha de propaganda a dizer que a culpa é nossa.
Os tempos são outros, Salazar e Hitler não são para aqui chamados, caros funcionários do Comentariado. Mas o medo, esse sim, continua a funcionar às mil maravilhas, como dantes: o medo das forças da natureza tornadas incompreensíveis, o medo dos russos que comem criancinhas ao pequeno-almoço, o medo etcétera e tal. O que me espanta é que figuras amadurecidas na luta contra a censura, contra a União Nacional, contra o pensamento único salazarento, não compreendam o que se está a passar e se auto-arregimentem no Ministério da Verdade, chegando mesmo ao ponto de terem ataques de histeria diante das câmaras.
Só quem não tem medo consegue discernir o conteúdo destas palavras sem chamar imediatamente "putinista" ao autor. Pois eu concordo plenamente com o que ele escreve!Pois é, não tenho medo!
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