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Está a consolidar-se um novo conceito politicamente correcto: não devemos fazer generalizações. Como muitos outros do mesmo jaez, este conceito politicamente correcto mina a inteligência das coisas.
A negação da capacidade de generalizar implica o fim da matemática e das ciências em geral. Sem generalização não existe método indutivo, não seriam possíveis as viagens espaciais, nem a medicina, nem qualquer outro progresso civilizacional. As crianças aprendem, por generalização, que um forno ou um tacho quente podem causar dói-dói, tal como as facas. Seria idiota dizer a uma criança: cuidado, não generalizes, há facas más que cortam os dedos e facas boazinhas que são rombas, não cortam. Não generalizar implica ser inepto para a vida toda.
Sei, por exemplo, que na sua generalidade os portugueses são maledicentes, negativos, gostam de escarnecer da vida alheia, da qual são invejosos por regra. É claro que conheço excepções, mas isso não deve impedir-me de generalizar; e ainda bem, senão eu olharia para a sociedade portuguesa como um burro olha para um palácio, e tornar-me-ia inapto, disfuncional, vítima indefesa da maledicência e da mesquinhez.
No debate em curso a propósito dos distúrbios e da revolta dos guetos e bairros periféricos, tem sido afirmado que não podemos generalizar – nem todos os polícias seriam umas bestas, nem todos os habitantes dos bairros periféricos seriam uns fora-da-lei. Mas se uma pessoa, ao longo da sua vida, teve o azar de apenas se cruzar com bestas policiais e ladrões periféricos armados de navalhas, como não generalizar? Em consciência, não posso dizer-lhe: «nunca generalizes!». O que posso dizer-lhe é que vá repetidamente a um bairro periférico, que almoce num restaurante cabo-verdiano, que fale com as pessoas que aí encontra, e que depois reveja a sua generalização.
Recordo um deputado do CDS que há algumas décadas, quando eu trabalhava no CIDAC, convidei a visitar um acampamento de timorenses refugiados em Portugal. O homem andou semanas a fugir ao convite, borrado de medo, convencido de que, se lá fosse, seria fuzilado por terríveis guerrilheiros comunistas façanhudos. Por fim lá aceitou visitar o acampamento, com uns quantos guarda-costas à perna. Depois de conviver com os refugiados timorenses, tornou-se um dos maiores defensores da causa de Timor-Leste (então sangrentamente invadido pelas tropas indonésias) ou pelo menos dos desterrados timorenses a viverem em condições miseráveis no Jamor.
No caso da polícia, porém, há vários problemas. Pessoalmente, nunca tive encontros simpáticos com a polícia. Sempre tropecei em bestas que não hesitavam, desde o primeiro instante, em debitar ofensas pessoais, quando não ofensas corporais e até sangrentas. De todas as vezes que estive numa esquadra, sempre dei com um polícia a usar um só dedo de uma só mão no teclado, o que significava horas (sem exagero) numa esquadra de polícia, até que ele conseguisse laboriosamente preencher as minutas necessárias. Durante esses períodos de espera dentro da esquadra pude assistir a pessoas injustiçadas, desprezadas, maltratadas e espancadas. Por conseguinte, para mim os polícias, de forma geral, são inaptos para as funções que lhes incumbem, são brutos e por vezes até selváticos, além de racistas e incapazes de compreender a diversidade de uma urbe.
De resto, para mim, numa sociedade socialmente justa e equilibrada, há uma coisa que não cabe: a polícia, em especial a polícia armada. Na sociedade em que vivemos, contudo, tenho de admitir a sua existência, mas há uma coisa que não perdoo às forças de esquerda: a mania de dizer que a polícia é uma instituição muito respeitável, e que os seus elementos são, na generalidade, boas pessoas, competentes e amigáveis. Acho ultrajante que responsáveis ditos de esquerda pronunciem semelhantes dislates.
Não duvido que os polícias, quando convivem à volta de uma mesa (de preferência com pessoas brancas)
assumam o ar de pessoas de bem. Eu bem os vejo ao balcão da tasca
que costumo frequentar, que por acaso se situa nas proximidades de uma esquadra de polícia: lá estão eles, em amena cavaqueira com os
vizinhos. Mas, deixemo-nos de tretas, há assuntos que nunca são
abordados nessas conversas, porque constituiriam um desprimor para os
srs. polícias e… quem é que está na disposição de indispor um
polícia? Este é um tabu da sociedade portuguesa: tal como quase ninguém admite ser racista, quase ninguém admite ter medo da polícia; mas tem, ainda que inconscientemente.
Porque é que os polícias de giro têm uma arma de fogo? Não percebo. Não entendo a falta que isso faz ao desempenho das funções de um polícia de giro. Nem sequer aos polícias de intervenção numa manifestação, por exemplo. A presença da arma, ainda que esta nunca seja usada, é intimidadora. Queremos nós que os polícias sejam intimidadores? Não seria melhor serem amigáveis? De resto, há países onde eles não têm armas de fogo e por regra nada de mal resulta daí, antes pelo contrário. «O hábito faz o monge», e um ser humano com uma pistola à cinta, perante outro desarmado, acabará por assumir atitudes pouco recomendáveis, a começar pela pesporrência.
Leonel Gomes Cá, entrevistado na SIC Notícias, narrou um significativo episódio de infância: tinha ele 11 anos, quando viu um polícia com uma etiqueta no braço ostentando a sigla EIR (Equipa de Intervenção Rápida). Curioso, foi perguntar ao polícia o que significava a sigla. Resposta: «Equipa de Extinção Racial». Mesmo dando de barato o analfabetismo da besta em questão (pergunta pertinente: terá ele pronunciado «istinção»?), é claro que esta imagem jamais poderá ser apagada da consciência de Leonel Gomes Cá. Mesmo que daí em diante ele apenas tenha conhecido polícias que sejam pessoas de bem, esta imagem permanece indelével. Quero com isto dizer que não deveria existir um só polícia que dê tiros em pretos desarmados, ou que trate mal ou com desprezo todos os cidadãos ou apenas alguns.
Façamos um exercício de imaginação. Imaginemos que Odair Moniz, o negro assassinado por um polícia no Alto da Cova da Moura em 21 de outubro de 2024, era um branco de fato e gravata, ao volante de um Volvo, uma pessoa «decente» e «respeitável» à primeira vista, mas que, por qualquer motivo, perdia a cabeça, ficava histérico e desatava a insultar e ameaçar os polícias (diga-se de passagem, já assisti a cenas dessas). Acreditam que os polícias sacariam da arma e lhe dariam um tiro mortal sem mais nem menos? É claro que não. É claro que, nesse caso, se revelariam «bons polícias»: tentariam acalmar os ânimos, chamar o homem à razão, e no limite, se necessário, manieta-lo-iam, para que não agredisse ninguém. Provavelmente, depois de acalmados os ânimos, se o sujeito em questão tivesse alguma importância (se trabalhasse numa secretaria de Estado, por exemplo, ou se fosse professor universitário), os polícias adoptariam uma atitude sabuja. Agora, com um preto qualquer saído de um bairro periférico, para quê estar com paninhos quentes? É sacar logo da pistola e dar-lhe um tiro, e acaba-se aquela chatice.
Procurando bem, encontram-se na net fotografias em que crianças vão para a escola entre dois cordões de polícias armados de shotgun. Como se estivessem em Gaza. Que imagem podem essas crianças formar da polícia? Quem foi a besta que mandou formar dois cordões de agentes armados de shotgun à porta de uma escola para crianças dos 6 aos 10 anos? Quem são as bestas que acatam semelhante ordem, sem a questionarem?
Por tudo isto acho uma cobardia que dirigentes de esquerda venham defender a instituição policial e me peçam para não generalizar. Que baixem as calcinhas perante as forças armadas da ordem, exactamente porque são elas que trazem a arma à cinta (senão, por que outro motivo as baixariam?).
É preciso generalizar, sim, ainda que reconhecendo as excepções. Revolta-me a tentativa de induzir um conceito politicamente correcto de antigeneralização.
Entretanto, foram presas umas dezenas de pessoas que provocaram
desacatos nos bairros periféricos. É natural que sejam julgadas e que, de uma forma ou de outra, tenham de pagar pela louça partida. Sugiro aos respectivos juízes que lhes preguem
uma pena válida por dez anos: trazerem ao peito uma etiqueta com a
sigla EEP – Equipa de Extinção Policial. É como trazer uma
estrela ao peito e assim os pacatos cidadãos poderiam identificá-los
imediatamente e atravessar para o outro lado da rua, não vá o diabo
tecê-las – é o que eu faço quando vejo um polícia da EIR.
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