17/08/13

O que é a classe média


O lodaçal académico

A maioria dos politólogos, sociólogos, economistas e outros melros que tais adora complicar o que é simples. Bom, na verdade, a organização social nada tem de simples, uma vez que nela nada funciona segundo uma causa determinística única, linear, da qual resulte um efeito determinado único. Mas ainda assim há imensos factores sociais que não carecem de dezenas, centenas ou milhares de páginas para serem explicados.

Um desses lodaçais teóricos é a definição de «classes médias». Não sei nem me interessa saber donde vem esta designação, mas reconheço-lhe pertinência. O lodaçal teórico, porém, não tem razão de ser, pois a definição de «classes médias» é simples.


Altos, baixos e medianos

À partida tínhamos uma situação razoavelmente simplificada: classes altas (grande burguesia); classes baixas (trabalhadores, ou seja, pessoas cujo único bem transaccionável era a sua própria força de trabalho, e outros tipos de desapossados); e, vamos lá, uma classe burguesa média onde alinhavam os pequenos negociantes e proprietários/rentistas, entre outras espécies.

Do ponto de vista do mercado financeiro, esta separação de classes era muito clara: dum lado estavam os fiáveis, ou seja, aqueles a quem o usurário podia conceder crédito com alguma confiança, por oferecerem garantias móveis ou imóveis; do outro lado estavam aqueles que o banco não considerava fiáveis ou dignos de crédito, por não oferecerem garantias realizáveis ou penhoráveis. Simples e eficaz.

O mercado financeiro e bancário do pós-guerra veio alterar bastante esta situação, inventando novas formas de obter garantias e conceder crédito a vastos sectores da população que anteriormente não eram financeiramente fiáveis. Assim é criada uma nova camada de «classes médias», constituída por trabalhadores que, apesar de não serem proprietários de meios de produção, são envolvidos num sistema de crédito financeiro em que a única garantia que podem dar (o seu trabalho, logo o seu salário) é penhorada à partida em conta bancária, ou por outros meios ainda mais sofisticados no que diz respeito ao seu salário indirecto ou social.

Et voilà. Simples e eficaz. E nada difícil de definir e entender. Qualquer trabalhador com salário garantido acima do limite de sobrevivência e obrigatoriamente depositado em conta bancária é classe média.

Um biscateiro, um trabalhador que se recuse a receber o salário através do banco, um trabalhador sazonal da apanha do tomate que recebe o salário em mão ao fim do dia, um desempregado de longa data, um trabalhador cujo salário esteja abaixo de um determinado limite considerado de sobrevivência, esses pertencem às «classes baixas», pois não são fiáveis nem dignos de crédito – não estão presos pelos tomates a uma conta bancária capaz de produzir fiabilidade e crédito no sistema financeiro actual.


Salário mínimo – um factor indeterminado?

Como devem ter reparado, há um elemento fundamental na fórmula acima que é preciso determinar: «um determinado limite considerado de sobrevivência», ou seja, o salário mínimo do ponto de vista da sobrevivência, ou seja, da reprodução da força de trabalho. Abaixo desse limite a força de trabalho extingue-se, o que não é bom nem para o morto nem para o investimento produtivo, embora possa ser indiferente para o capital financeiro, consoante as circunstâncias.

Por conseguinte não é difícil imaginar que, do ponto de vista financeiro, esse cálculo não só foi feito com grande rigor, como é permanentemente actualizado, porque o seu desconhecimento pode destruir o sistema de crédito e por arrasto toda a «classe média», provocando um cataclismo social e económico.

No entanto, o limite salarial de sobrevivência do ponto de vista financeiro não coincide com o limite salarial de sobrevivência do ponto de vista do trabalhador, porque sendo diferentes os respectivos interesses, diferente resulta a natureza desses limites.


Ora, que eu saiba, a produção teórica de esquerda não se tem preocupado em criar um sistema permanente de cálculo desse limite. Talvez esta ausência não seja alheia às estratégias de conciliação no plano da concertação social, local onde se espera ver discutidos os valores e actualizações do salário mínimo.


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