Estávamos acampados numa praia de nudistas –
esse lugar onde, ao fim dos 3 dias que olhos pedem para se acostumarem à luz, se revelam belos os mais
improváveis corpos, porque só sob a exuberância da luz nua se pode exercer o olhar que o urbano
pundonor cega.
Estávamos ociosamente estendidos ao sol – eu, a
minha namorada, e a namorada da minha namorada. Era essa hora poente
em que as gaivotas, talvez atraídas pelo cheiro dos peixes que os
pescadores abandonam no areal, decidem patrulhar as areias,
aventurar-se mesmo à beirinha dos banhistas, como se fossem
bicá-los, e lançar aqueles gritos de duvidoso significado, se
retirarmos da cena a imagem que lhes identifica a origem.
Nisto, diz a minha namorada à amiga: «Fecha as
pernas, que vêm aí as gaivotas.»
E de facto, dou-me conta então – e só então,
e não daria, não fora esta observação (ou piropo?) da
minha amiga – que flutuava no ar um cocktail
de odores especioso, feito
de eflúvios de maresia e vulva (não sei já dizer qual delas),
uma miscelânea duma elegância rara, irresistível, inebriante
e langorosa no
mesmo lance.
É preciso
guardar gratidão eterna
a essas pessoas que têm a qualidade rara de nos atirar frases destas, de nos impor
o óbvio, que fazem os cegos levantar-se e ver, e sem as quais
permaneceríamos mutilados de nós mesmos toda a vida.
[texto de combate à estupidez da UMAR e poema de homenagem ao sentido mais reprimido pela civilização europeia ocidental: o olfacto]
[corrigido em: 31/09/2013; 1/09/2013]
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