
Estávamos ociosamente estendidos ao sol – eu, a minha namorada, e a namorada da minha namorada. Era essa hora poente em que as gaivotas, talvez atraídas pelo cheiro dos peixes que os pescadores abandonam no areal, decidem patrulhar as areias, aventurar-se mesmo à beirinha dos banhistas, como se fossem bicá-los, e lançar aqueles gritos de duvidoso significado, se retirarmos da cena a imagem que lhes identifica a origem.
Nisto, diz a minha namorada à amiga: «Fecha as pernas, que vêm aí as gaivotas.»
E de facto, dou-me conta então – e só então, e não daria, não fora esta observação (ou piropo?) da minha amiga – que flutuava no ar um cocktail de odores especioso, feito de eflúvios de maresia e vulva (não sei já dizer qual delas), uma miscelânea duma elegância rara, irresistível, inebriante e langorosa no mesmo lance.
É preciso guardar gratidão eterna a essas pessoas que têm a qualidade rara de nos atirar frases destas, de nos impor o óbvio, que fazem os cegos levantar-se e ver, e sem as quais permaneceríamos mutilados de nós mesmos toda a vida.