12/10/13

Pequena etimologia da estética e da ética

Etimologia é uma palavra erudita, composta a partir das palavras gregas étimo (= verdade, significado verdadeiro) e logos (= discurso, razão). Designa, portanto, o estudo do verdadeiro significado das palavras. Com o correr do tempo e da linguística, passou a designar também a evolução semântica Assim, do ponto de vista erudito o verdadeiro significado duma palavra reside na sua origem, temperada e acrescentada pela sua história ao longo do tempo e das culturas por onde passou.

Buscando a etimologia de estética e de ética, rapidamente concluímos que estética refere o que é belo e ética (ou moral, na versão latina) refere o que é bom em matéria de comportamentos e costumes.


Aqui chegados, o problema com que nos deparamos é o seguinte: verdade designa, já na sua própria etimologia, um sistema de valores. Ora o que tem valor para mim pode não ter valor para ti; por outras palavras, o que é verdadeiro para mim pode ser falso para ti. A ciência procura fugir a este beco sem saída partindo do princípio que há coisas que são válidas (= têm valor, são verdadeiras) para toda a gente – por exemplo, a «força da gravidade» é válida para todos, incluindo os que levitam. Mas afirmações como «esta vivenda é bela», ou «deve-se dar passagem às damas», não podem ser consideradas verdades universais. O seu valor depende de quem as aprecia.

Ou seja: toda a estética e toda a ética suscitam a pergunta «para quem?». Se eu afirmo «isto é belo», tenho de admitir que alguém pergunte logo de seguida: «para quem?». Se eu afirmo «isto é ético», ou «isto é imoral», tenho de admitir que me interpelem: «para quem?».

Ora eu adopto uma definição minimal e suficiente de política: é a arte de colocar, em todas as circunstâncias da vida social, a pergunta «para quem?» – de tal forma que a política se torna a única forma de virar costas às abstracções e generalizações desumanizantes para regressar à materialidade e identidade de cada ser humano. Se me dizem «este imposto é justo», imediatamente pergunto: «para quem?». Por conseguinte tenho de concluir que a estética e a ética têm carácter profundamente político.

Numa sociedade moderna, em que o direito à diferença (= direito à identidade pessoal) tende a ser cada vez mais defendido e praticado, a estética perde necessariamente todo o valor universal a que os filósofos dedicaram séculos de esforço (vá-se lá saber porquê) e a ética e a moral adquirem contornos bicudos – torna-se claro que pode haver uma ética ou uma moral para quem trabalha, outra para quem possui os meios de produção, outra para os revolucionários, outra para os neoliberais, e assim por diante.


Os talibãs, contudo, não sofrem estes dilemas. Para eles a sua verdade é única e universal, e a sua moral é uma ciência – quando afirmam, por exemplo, que as mulheres não foram feitas para estudar e as executam a tiro quando elas se dirigem para a escola, estão absolutamente seguros de transmitir um valor universal, tão estimável para toda a gente como o produzido por um cientista ao afirmar que a água é composta de oxigénio e hidrogénio. A estética e a ética talibãs representam um recuo de dezenas de milhar de anos, a destruição de toda a cultura ocidental e oriental – são um regresso às cavernas. Os talibãs são cavernícolas que uma perversa máquina do tempo depositou na nossa era.


Desgraçadamente, vivemos rodeados de talibãs. E esta é uma verdade que não olha a classes sociais nem a graus académicos.

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